Quando os dados transformam a sustentabilidade em decisão

A sustentabilidade, outrora compreendida como uma questão periférica ou uma mera obrigação regulatória, emergiu no cenário empresarial português como um pilar central e inegável para a competitividade e a criação de valor a longo prazo. Este imperativo, acentuado por instrumentos como o PRR e a taxonomia verde da União Europeia, coloca os CxO portugueses sob uma pressão crescente. A questão principal deixou de ser “porquê” investir em sustentabilidade tecnológica e passou a ser “como” transformar um custo numa oportunidade de investimento com retorno mensurável

Quando os dados transformam a sustentabilidade em decisão

No tecido empresarial português, a sustentabilidade deixou de ocupar a periferia das prioridades. A regulação europeia – da Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD) à taxonomia verde da União Europeia – elevou a fasquia, mas o que atualmente acelera as decisões é a evidência económica: eficiência, acesso a capital, novas receitas e vantagem competitiva. A questão que chega aos conselhos de administração é direta: como transformar métricas ESG em decisões de negócio que preservam margem, mitigam risco e abrem novos mercados?

De acordo com o Barómetro Internacional ESG 2025, da consultora Ayming, apenas 58% das empresas nacionais implementaram uma estratégia ESG formal, um ritmo muito aquém de países como Espanha ou Itália, onde mais de 80% já integram estas práticas. Este atraso não é apenas simbólico; à medida que a legislação europeia se intensifica, as empresas que falhem em alinhar-se com os critérios ESG correm o risco de perder competitividade, ou até mesmo serem excluídas das cadeias de valor.

Neste contexto, a tecnologia assume um papel central, não apenas como ferramenta de reporte e compliance, mas como catalisador de inovação e eficiência que impulsiona a agenda ESG. A integração de soluções digitais permite às empresas otimizar recursos, reduzir emissões e obter dados auditáveis para uma gestão mais transparente e estratégica.

A evolução “verde” nas empresas portuguesas

 

Rafael Botelho, Gestor de Conhecimento e Formação do BCSD Portugal

Em Portugal, a sustentabilidade empresarial vive uma fase de transição. A pressão regulatória europeia impulsiona o tema, mas o verdadeiro desafio é alinhar estratégias de negócio com critérios ESG. Para Rafael Botelho, Gestor de Conhecimento e Formação do BCSD Portugal, “a sustentabilidade deixou de ser apenas uma questão reputacional ou regulatória, é hoje um fator de competitividade”. Ainda assim, alerta que “este movimento tem de se expandir, sobretudo às PME, para garantir uma transição justa e abrangente”.

Já do lado das grandes empresas, a evolução é clara. Segundo Bruno Martinho, Strategy & Growth Lead da Accenture Portugal, “a conversa sobre sustentabilidade evoluiu de um tema de risco e compliance, deixando de aparecer no final da agenda, para passar a ser encarada como alavanca de crescimento e de competitividade a longo prazo”. O executivo acrescenta que “as empresas com a sustentabilidade profundamente integrada na gestão superam os pares em 21% em valor gerado e desempenho ambiental e social”.

Ainda assim, persistem desafios significativos no mercado português, sobretudo na definição de estratégias claras, na implementação prática e, em particular, na capacidade de medir impacto com dados comparáveis e auditáveis. Para Rafael Botelho, “os principais gaps consistem sobretudo na definição de uma estratégia clara e alinhada com os riscos e oportunidades do negócio e na capacidade de medir e quantificar impacto com dados comparáveis e auditáveis”. A tecnologia surge aqui como fator determinante para acelerar esta maturidade, embora o investimento continue a ser uma barreira, sobretudo para as PME.

Há, no entanto, a nível estratégico, sinais de mudança que consolidam a sustentabilidade como imperativo competitivo. A Accenture recorda que “a pressão regulatória acelerou a discussão, mas é a evidência económica – maior eficiência, acesso a financiamento e novas receitas – que está a consolidar o tema como prioridade estratégica”. A Accenture parte do princípio de que a integração de critérios ambientais e sociais gera retorno, e, por isso, o business case que constrói com os clientes “começa por tratar a sustentabilidade como um vetor de criação de 360° Value, e não como centro de custos”.

Bruno Martinho, Strategy & Growth Lead da Accenture Portugal

 

A abordagem assenta numa arquitetura de Carbon Intelligence – Information, Insight e Impact – que liga dados de emissões a indicadores financeiros e de risco. Entre os resultados, a consultora sublinha que “as organizações mais maduras em ESG conseguem, em média, reduzir o custo médio ponderado de capital entre 20 e 40 pontos base e alcançar prémios de 10–15% no rácio Price to Book”. O método inclui “a criação de um baseline digital de carbono e ESG”, a “simulação de cenários de melhoria e respetiva redução do beta setorial e, por consequência, do WACC”, a “quantificação do prémio de acesso a instrumentos de financiamento verde” e o “desenvolvimento de Marginal Abatement Cost Curves e de modelos de preço interno de carbono”, que permitem ao CFO comparar projetos de descarbonização com alternativas de CapEx tradicional.

Quando a tecnologia e a sustentabilidade convergem, surgem novos mercados. No caso da aviação, “a Shell criou com a Accenture e a Amex GBT a plataforma Avelia, baseada em blockchain, que permite a empresas investirem em combustível de aviação sustentável (SAF). Este modelo ‘book and claim’ já viabilizou um milhão de galões (ou 3,75 milhões de litros) de SAF, o equivalente a 15 mil voos”. No ciclo de dispositivos – uma das áreas mais poluentes da cadeia tecnológica –, “a Lenovo redesenhou o fornecimento de equipamentos através do programa TruScale Device-asa- Service. A Universidade de Coventry compensou 223 toneladas de CO2 e reduziu 40 horas de trabalho de IT por semana”, exemplificou.

Tecnologia como motor da contabilidade ESG

A dificuldade em consolidar dados ESG provenientes de múltiplas fontes e formatos continua a ser um dos principais obstáculos para as empresas portuguesas. A pressão acrescida de regulamentações como a CSRD, a Global Reporting Initiative (GRI), o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM) ou a European Union Deforestation Regulation (EUDR) torna esta tarefa ainda mais complexa. Para Maria Marrecas Ferreira, Solution Advisor da SAP Portugal, “o maior desafio é consolidar dados provenientes de múltiplos sistemas e formatos: uma tarefa complexa, agravada pela escassez de recursos e pelo aumento das exigências regulatórias”.

 

Maria Marrecas Ferreira, Solution Advisor da SAP Portugal

É neste enquadramento que a integração de dados ganha centralidade. Segundo a responsável, “a SAP desempenha hoje um papel fundamental ao integrar dados operacionais e financeiros num sistema transparente e auditável, que serve como uma verdadeira e única fonte de verdade”. Esse é o pilar da estratégia Sustainability at the Core, que coloca a sustentabilidade no centro da gestão empresarial.

A procura por dados fiáveis, auditáveis e comparáveis tem vindo a aumentar, sobretudo porque “sem dados fiáveis, os relatórios ESG perdem credibilidade. Por isso, simplificar e automatizar é essencial”, sublinha Maria Marrecas Ferreira. Um exemplo recente é a plataforma SAP Business Data Cloud, que integra e analisa informação de múltiplas origens, apoiada por inteligência artificial generativa através do copiloto Joule. De acordo com a responsável, estas soluções abrem espaço para uma análise mais estratégica, o que permite a um diretor de sustentabilidade colocar questões críticas, como por exemplo, destaca, “de que forma podemos reduzir significativamente a pegada de carbono nos próximos ‘x’ anos, sem comprometer as metas financeiras” da organização?

Um modelo de sustentabilidade integrada

A Schneider Electric é apontada como referência global na forma como alia tecnologia e sustentabilidade, algo que considera estar enraizado no seu modelo de negócio e que a levou a estar no topo do ranking de empresas mais sustentáveis do mundo para a TIME. A empresa estrutura este compromisso através do programa Schneider Sustainability Impact, que integra metas ESG na estratégia e até na remuneração dos colaboradores, com o objetivo de garantir que toda a organização rema no mesmo sentido. Esta visão tem produzido resultados tangíveis: desde 2018, os clientes da Schneider Electric evitaram 679 milhões de toneladas de CO2 graças às soluções digitais de eletrificação, automatização e eficiência energética.

Ana Paula Patrício, Iberia ESG Officer da Schneider Electric

 

A exatidão de dados transformou-se em serviço através do Environmental Data Program “oferece total transparência sobre o impacto ambiental dos nossos produtos, com dados fiáveis e fáceis de integrar em relatórios ESG”, sublinha Ana Paula Patrício, Iberia ESG Officer da Schneider Electric. A ferramenta permite medir a pegada de carbono ao longo de todo o ciclo de vida dos equipamentos, de acordo com normas internacionais como a CSRD ou o GHG Protocol.

Este modelo de “sustentabilidade quantificada” não ajuda apenas os clientes a responder às crescentes exigências regulatórias, como se tornou um diferenciador comercial. Como afirma a responsável, ao permitir decisões de compra mais sustentáveis, a empresa reforça o seu papel enquanto parceiro estratégico que acrescenta valor a toda a cadeia.

Sustentabilidade tecnológica como investimento estratégico

Para os CTT, a sustentabilidade deixou de ser apenas uma obrigação regulatória para assumir- se como “um motor de inovação e de diferenciação no setor logístico”. A aposta na eletrificação da frota é o exemplo mais claro: desde 2022, a empresa já conta com mais de 1.100 veículos elétricos, que representam 39% da frota própria, e comprometeu-se a atingir 50% até 2025 e 100% até 2030. Como sublinha Maria Rebelo, Diretora de Sustentabilidade da empresa, este percurso representa não apenas descarbonização, mas também “uma oportunidade para repensar processos, gerar ganhos operacionais, melhorar a experiência do cliente e responder às expetativas das várias partes interessadas”.

Este compromisso integra-se num plano mais amplo de descarbonização, com a meta de reduzir as emissões totais (diretas e indiretas) em 55% até 2030, validada pela Science Based Targets initiative (SBTi), reforçando o alinhamento da empresa com a agenda climática global.

 

Maria Rebelo, Diretora de Sustentabilidade dos CTT

A inovação tecnológica é o alicerce desta transformação, com a inteligência artificial e a análise avançada de dados a desempenharem um papel central. Através dessas ferramentas, os CTT conseguem integrar telemetria, padrões históricos de entrega e informações de tráfego em tempo real, o que lhes permite planear rotas mais eficientes e recalcular percursos sempre que surgem imprevistos. “A componente ambiental é um pilar central desta abordagem”, afirma Maria Rebelo, ao destacar que os algoritmos não só reduzem quilómetros percorridos e emissões, como também “garantem uma utilização eficiente da frota elétrica, sobretudo em contextos urbanos”. Esta capacidade de medir e reportar emissões tornou-se um fator diferenciador junto dos clientes B2B, especialmente os que têm metas ESG exigentes, o que lhes possibilita integrar estes dados nos seus próprios inventários carbónicos.

O próximo grande desafio é a descarbonização da última milha, considerada o segmento mais poluente e crítico da logística. “O objetivo é reduzir as emissões poluentes associadas, o ruído e de promover uma presença responsável dos CTT nas geografias onde opera e com especial relevância nos centros urbanos”, reforça a responsável. Para ultrapassar as limitações atuais, a empresa investiu numa rede própria de pontos de carregamento e acompanha de perto o desenvolvimento de soluções públicas e tecnológicas para veículos pesados. Em paralelo, reforça a rede Collectt, que já soma mais de 20 mil pontos Pick & Drop na Península Ibérica, incluindo cacifos Locky que reduzem as deslocações desnecessárias e melhoram a experiência do cliente.

Da ambição à execução: o papel do parceiro tecnológico

Bruno Mota, CEO da Devoteam Portugal

 

Para Bruno Mota, CEO da Devoteam Portugal, a transição só resulta com execução disciplinada, até porque muitas empresas continuam a lidar com dados pouco maduros e incerteza quanto ao ROI. Ainda assim, sublinha que “o ponto de viragem já foi atingido”, impulsionado “pelas expectativas dos clientes e por um desejo de vantagem competitiva”. Além disso, os números confirmam a tendência, sendo que “mais de 76% das organizações consideram agora a sustentabilidade uma parte central da sua estratégia ou uma área de foco importante”.

É neste contexto que defende que o papel de um parceiro tecnológico é “ser um parceiro integrado, fazendo a ponte entre a ambição e a realidade”. O desafio mantém-se, no entanto, já que “mais de 65% das empresas ainda estão a estabelecer ou automatizar a recolha de dados”.

O primeiro passo, segundo o responsável, é construir um caso de negócio sólido e baseado em dados. “Para 43% dos líderes, uma das principais barreiras é a incerteza do ROI devido à falta de dados de qualidade. Portanto, construímos esse caso em conjunto, fazendo perguntas concretas sobre o negócio principal – como e onde gasta mais dinheiro”. Esta abordagem prática não só clarifica os ganhos potenciais como garante o patrocínio executivo necessário para o sucesso, evitando que a sustentabilidade seja vista apenas como centro de custos.

Na sua visão, os maiores erros acontecem quando a sustentabilidade é tratada como uma obrigação de compliance isolada, em vez de integrada na estratégia central. Para os evitar, a Devoteam aconselha uma abordagem híbrida: combinar plataformas tecnológicas para a agregação e reporte de dados com soluções personalizadas que criem valor único. O ponto crítico, segundo Bruno Mota, passa por lembrar que “os desafios não são apenas técnicos, mas estão enraizados na gestão da mudança. O nosso papel é ajudar os líderes a construir o caso de negócio, garantir orçamento e capacitar as equipas com as competências necessárias para transformar essa visão em realidade”.

O futuro das empresas mede-se em ESG

Perante a distância que separa a ambição da prática da sustentabilidade em Portugal, as vozes dos vários setores convergem num ponto: “sustentabilidade é valor”. Enquanto alguns convertem dados de sustentabilidade em decisões estratégicas e inovação, outros permanecem na retaguarda, arriscando perder espaço num mercado em rápida transformação.

A regulação e a exigência do mercado não deixam margem para prolongar atrasos. A próxima etapa exige que as empresas portuguesas tratem a sustentabilidade como uma peça-chave do negócio, quantificável e comparável, capaz de orientar investimento, mitigar risco e criar vantagem competitiva. É este movimento – de métricas dispersas para decisões estratégicas – que vai definir a verdadeira maturidade.

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