“Um data center de dois megawatts era grande na Europa. Agora vemos campus de 300MW”

Tesh Durvasula, CEO da AtlasEdge, explica a aposta de 500 milhões de euros em Portugal, num mercado que deverá atrair 12 mil milhões de investimento até 2030, mas enfrenta pressão energética e défice de talento

“Um data center de dois megawatts era grande na Europa. Agora vemos campus de 300MW”

 


  • AtlasEdge investiu 500 milhões de euros num campus de 30 MW em Carnaxide, posicionando-se entre os gigantes hyperscale de Sines (1,2 GW) e os data centers enterprise tradicionais;

  • O mercado português de data centers deverá atrair 12 mil milhões de euros até 2030, mas enfrenta défice de competências técnicas e pressão energética crescente;

  • Tesh Durvasula, da AtlasEdge, prevê a possibilidade de cinco data centers em Lisboa.


 

Tesh Durvasula assumiu a liderança da AtlasEdge em maio de 2024, mas não hesita quando explica a aposta da empresa em Portugal. Durante a inauguração do data center LIS001 em Carnaxide, zona de Lisboa, o CEO conversou com a IT Insight sobre edge computing, financiamento verde e a estratégia que coloca a região da capital portuguesa no centro de um campus que, prevê, chegará aos cinco data centers.

Inaugurado a 28 de outubro de 2025, a AtlasEdge conta com um financiamento verde de 253 milhões de euros para os data centers LIS001 e LIS002 que vão ter uma capacidade de IT combinada de 21,1 MW. A empresa já adquiriu o terreno para o LIS003, elevando a capacidade total futura do campus para 30MW, como parte de um plano estratégico de mais de 500 milhões de euros no país para os próximos anos.

O investimento insere-se num contexto mais amplo. Segundo um estudo recente da Portugal DC – a Associação Portuguesa de Data Center – o setor pode ter um impacto de 3,7 mil milhões de euros no PIB português até 2031 . De acordo com um estudo da Research and Markets de junho de 2025, Lisboa tem cerca de 47,5 MW de capacidade operacional, mas há mais de 310 MW em desenvolvimento.

O campo de batalha

Não é, no entanto, só a AtlasEdge; o mercado português de data centers está em ebulição, com pelo menos três escalas distintas de investimento.

No topo está a Start Campus, em Sines, que inaugurou este ano o seu primeiro data center (SIN01) de 26MW. O campus completo terá 1,2GW de capacidade distribuída por vários edifícios, com um investimento de 8,5 mil milhões de euros. É, também, o maior projeto de data center de colocation da Europa, alimentado 100% por energia renovável e com um sistema de arrefecimento por água do mar.

A Merlin Properties, em parceria com a Edged Energy, iniciou a construção de um campus de 20MW em Castanheira do Ribatejo, na zona de Vila Franca de Xira, com potencial de expansão para 100MW. Cinco data centers, com o primeiro operacional previsto para 2027, também com energia 100% renovável e sistema de arrefecimento sem consumo de água.

A Equinix, operador global com presença em Lisboa há vários anos, inaugurou o seu segundo data center (LS2) no primeiro semestre de 2025, adjacente ao LS1 no Prior Velho. Resulta de um investimento “muito próximo dos cem milhões”. Depois, há os operadores de telecomunicações tradicionais que, segundo um estudo da JLL, detêm quotas significativas do mercado atual.


“São os nossos clientes que estão a fazer essa redefinição. Estamos apenas a tentar servir a necessidade”


De África para a Europa

Tesh Durvasula veio da Africa Data Centres, passando pela CyrusOne, antes de assumir o comando da AtlasEdge. A transição para edge computing na Europa, em vez de hyperscale nos Estados Unidos ou expansão contínua em África, tinha uma lógica clara.

Se olharmos para o que está a acontecer nos EUA, a Europa tem estado tradicionalmente entre dois e cinco anos atrás. Agora está agora apenas entre seis e dozes meses”, afirma. “Quando começámos, um data center de um a dois megawatts na Europa era considerado de grande dimensão. Agora, estamos a ver anúncios de 25, 36, 48 megawatts e depois campus de 200, 300 megawatts. A Europa está rapidamente a tornar-se num local de crescimento”.

A estratégia da AtlasEdge assenta numa premissa geográfica precisa: para alcançar 95% a 98% da população mundial com latências inferiores a 25 milissegundos (essencial para a condução autónoma), é necessário estar presente em cerca de 16 a 20 cidades europeias. “Todos conhecem as primeiro quatro”, diz Durvasula, referindo-se aos mercados tradicionais de Frankfurt, Amesterdão, Londres e Paris, conhecidos como FLAP. “Quais são as próximas 14 cidades? Acreditamos que podemos fazer a diferença nessas cidades”, defende.

É por isso que a AtlasEdge escolheu cidades alemãs que não Frankfurt, como Dusseldorf, Hamburgo, Estugarda ou Berlim. E é, também, por isso que Lisboa entrou no mapa.

Proximidade ou capacidade?

A localização do campus em Carnaxide fica a menos de 10km da estação de cabos submarinos de Carcavelos, onde amarram oito cabos intercontinentais que ligam a Europa a África, ao Médio Oriente e às Américas.

No entanto, quando questionado se a AtlasEdge está realmente a ir além dos hubs tradicionais de conectividade (os mercados FLAP-D, com Dublin) ou apenas a redefinir o que torna um hub estratégico em 2025, Durvasula é direto: “adoraria dizer que somos inteligentes o suficiente para redefinir, mas acho que são os nossos clientes que estão a fazer essa redefinição. Estamos apenas a tentar servir a necessidade”.

Os clientes querem estar perto de estações de cabos submarinos, querem proximidade à população, ao PIB, querem segurança e capacidade de escalar. “É isso que estamos a fazer. Escolhemos mercados assim”, explica.

A escolha de Lisboa em vez de Sines reflete uma aposta diferente. Sines está a 90km de Lisboa e posiciona-se para cargas de hyperscalers e inteligência artificial de alta densidade. Lisboa mantém-se como centro urbano com acesso a talento, redes de telecomunicações densas e clientes empresariais.

Há apenas uma certa quantidade de terreno disponível”, diz Durvasula sobre Frankfurt, onde a área metropolitana já se estende por um raio de largos quilómetros. “Ainda lhe chamam Frankfurt, mas definitivamente está mais longe. Por isso dizemos: venham para Berlim, é mais fácil”. A mesma lógica aplica-se a Lisboa em comparação com Sines: quanto mais longe da cidade, mais difícil é de recrutar, de contratar e de aceder a serviços.

O tráfego que ainda precisa de crescer

A região de Lisboa tem múltiplos cabos submarinos que ligam a Europa à América Latina e a África. No entanto, a conectividade só é relevante se houver procura real nos dois extremos. A pergunta que se coloca é se as empresas estão, efetivamente, a encaminhar tráfego significativo de Lisboa (ou da Europa como um todo) para estes destinos.

Acho que isso é uma das coisas que vai continuar a evoluir”, responde Durvasula. A indústria do petróleo e gás é disso exemplo: durante anos, foi Houston (Texas, Estados Unidos), Aberdeen (Escócia, Reino Unido) e o Brasil a começar. “Agora, há uma quantidade incrível de conectividade entre a América do Norte e o Brasil por causa da Energia. O mesmo com a Europa Ocidental e a América do Sul”.

A próxima vaga, defende, será impulsiona pela inteligência artificial. “Há novas empresas de cripto a começar aqui em Portugal. Há novas empresas de entretenimento”. O CEO da AtlasEdge acredita que os bens e serviços se concentram em áreas específicas e Lisboa tem vantagens na equação do talento.

Os números dão algum suporte ao argumento: Portugal tem um investimento significativo em formação STEM, embora o estudo da Portugal DC alerte para um “défice de competências técnicas que pode travar o ritmo de crescimento”. O estudo recomenda reforço da formação, programas de requalificação e inclusão digital.

Durvasula usa incentivos fiscais como argumento de atração. “O mesmo trabalho que é feito em Nova Iorque, se o conseguir em Lisboa, é efetivamente um aumento salarial de 20%” por causa do custo de vida.

No entanto, a transição de Lisboa de ‘ponto de conectividade’ para ‘centro de processamento e serviços digitais’ ainda está por provar. Os cabos estão lá. A energia renovável está disponível (Portugal gerou mais de 87% da sua eletricidade a partir de renováveis em 2024, de acordo com o Eurostat). Falta ver se o tráfego e a procura de computação acompanham a infraestrutura física.


“Um dos nossos verticais de maior procura tem sido a soberania e segurança de dados através do governo federal e através de integradores de sistemas que trabalham para o governo”


O que diferencia a AtlasEdge

Portugal espera um investimento significativo em data centers até 2030, com uma grande percentagem direcionada para centros adaptados para inteligência artificial e computação de alta densidade. Com tanto capital investido no mercado, o que diferencia a AtlasEdge de outros concorrentes no mercado português?

Somos dos primeiros”, responde Durvasula. A empresa inaugurou o LIS001 enquanto a Start Campus só conta com um edifício (SIN01) e a Merlin/Edged está em construção. “Não é incomum ver o último cliente, a última pessoa a ocupar o último espaço num data center, ser também o vosso primeiro cliente, porque a maioria dos campus cresce porque o cliente consegue ver linha de vista para a sua expansão”, explica.

A segunda vantagem é flexibilidade de produto. A AtlasEdge pode fazer construções modulares que chegam rapidamente ao mercado em regime multi-tenant, mas também construções personalizadas que podem ir até 36-48MW, dependendo do cliente.

A terceira é o posicionamento geográfico. Enquanto a Start Campus está focada em hyperscale massivo e outros operadores se concentram apenas na conectividade, a AtlasEdge aposta no equilíbrio: proximidade urbana para facilitar recrutamento e acesso a serviços, mas escala suficiente para clientes que precisam de crescer.

O campus de 30MW da AtlasEdge coloca-se numa categoria intermédia: maior do que os data centers enterprise tradicionais de empresas como a Equinix, mas substancialmente menor do que os projetos de hyperscale de Sines ou Castanheira do Ribatejo.

Soberania de dados e regulação europeia

Com os requisitos rigorosos de soberania de dados na Europa e a pressão para localização de informação, a regulação existente deveria favorecer fornecedores de edge como a AtlasEdge. O que importa, no entanto, é se as empresas estão efetivamente a colocar o seu dinheiro onde as políticas sugerem que deveriam.

Para Tesh Durvasula, a resposta se o estão a fazer é “sim” e, acrescenta, “provavelmente um dos nossos verticais de maior procura tem sido a soberania e segurança de dados através do governo federal e através de integradores de sistemas que trabalham para o governo federal”.

Tornou-se evidente, diz Durvasula, que, independentemente das inclinações políticas, que não se quer informação portuguesa em servidores na América do Norte. Os governos vão ter uma visão muito forte sobre o que vai acontecer com os dados da sua população, prevê o CEO. “Acho que as três áreas são obviamente segurança social e pensões, cuidados de saúde e, depois, gestão básica de dados”.

Viagem ao futuro

Ao olhar para o futuro, e desafiado a tentar antever como vai estar a AtlasEdge em Portugal daqui a cinco anos, Durvasula acredita que “todos os três data centers vão estar alugados a clientes que são participantes ativos na comunidade. Vai ser uma mistura de hyperscale, empresas de inteligência artificial e inovação, grandes empresas, governo. E a AtlasEdge estará a planear o LIS004 e LIS005 porque o LIS001 está vendido, o LIS002, o LIS003 está vendido e estamos a expandir mais”.

A visão é naturalmente otimista. O LIS001 inaugurou com capacidade já contratada e o LIS002 deverá abrir em 2028. O LIS003, para já, é só um terreno adquirido, sem data de construção confirmada.

Uma aposta clara

A AtlasEdge está a fazer uma aposta considerável em Portugal: 500 milhões de euros, três data centers confirmados e uma visão para outros dois. O financiamento verde de 253 milhões com o Santander e a ING mostra confiança institucional. A localização a menos de 10km de Carcavelos coloca o campus no centro da conectividade transatlântica.

Portugal tem os cabos submarinos e tem a energia renovável. No entanto, e para todos os efeitos, ainda está por provar se o tráfego digital e a procura de computação na região e no país vão acompanhar a infraestrutura física que está a ser construída a um ritmo acelerado.

Tesh Durvasula partilha que o futuro é brilhante, que Lisboa será o nó onde a conectividade se transforma em serviços digitais reais, e que em cinco anos estará a planear o quarto e quinto data center porque os primeiros vão estar vendidos.

As próximas fases do campus – e sobretudo os níveis de ocupação que conseguir – vão mostrar se a visão corresponde à realidade de um mercado que está a atrair dezenas de milhares de milhões de euros até 2030, mas ainda tem de provar que consegue converter cabos submarinos e megawatts em valor económico sustentável.

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