AI Digest - Maio de 2025

AI Digest, um resumo do que mais importante está a acontecer no campo da Inteligência Artificial

AI Digest - Maio de 2025

Drosophila e o delírio da grande decifração

A DeepMind anunciou com fanfarra a simulação da rede neural da larva da mosca-da-fruta (Drosophila Melanogaster). Após décadas de esforço e recursos colossais, mapeamos como uma criatura do tamanho de uma vírgula decide rastejar para a esquerda ou para a direita, seguindo um odor fugaz. Um triunfo épico — ou uma nota de rodapé de ironia cósmica. O modelo captura cerca de três mil neurónios e 500 mil ligações (sinapses). Uma arquitetura tão densa que, para replicar o que parecia trivial — mover-se em direcção ao que cheira melhor —, foram necessários algoritmos de uma complexidade que faria corar as antigas promessas de uma inteligência artificial geral (capaz de igualar a humana). Não caminhamos para essa superinteligência: rastejamos com humildade pelos circuitos de um insecto que ignoramos com um sopro de impaciência.

A lição é amarga e cristalina: mesmo os sistemas biológicos mais “elementares” comportam uma imensa complexidade entranhada. Cada ligação neural, uma hesitação do real. Cada decisão, uma coreografia invisível de forças tectónicas em miniatura.

No fundo, a larva é menos um passo para o futuro e mais um espelho ampliado do abismo que separa o entusiasmo tecnológico da realidade da natureza. A próxima mosca no parapeito será, pelo menos, saudada como a verdadeira soberana da opacidade inteligente.


A criação automatizada do visualmente banal

Há tarefas no quotidiano profissional que, pela sua natureza repetitiva e pelo pouco valor que parecem acrescentar, roçam o absurdo: a compilação e formatação de apresentações (vulgo, PowerPoints) é, para muitos, uma delas. Numa era onde a Inteligência Artificial (IA) desvenda mistérios intricados – da simulação de redes neurais biológicas à otimização de infraestruturas colossais –, assistimos agora à sua incursão precisa neste labor humano menos inspirado. O recente lançamento da Genspark, ferramenta concebida para gerar automaticamente slides a partir de simples texto, promete simplificar a tarefa visual e poupar o que se crê ser tempo precioso. Uma solução de produtividade inegável, sem dúvida. Mas também um convite inesperado a uma reflexão mais funda – e carregada de uma ironia subtil.

A promessa operativa da Genspark é sedutora: alimentar o sistema com ideias, análises e dados e receber, rapidamente, uma estrutura visual, com o design e a organização espacial resolvidos pela máquina. A IA assume a gestão automatizada da forma e da estética, libertando-nos do trabalho “menor” do design digital. E aqui reside a subtileza: a mesma precisão algorítmica capaz de desvendar padrões em genomas ou otimizar o tráfego de megacidades aplica-se agora a estruturar apresentações de negócios e relatórios. Se a forma é resolvida pela IA, o foco recai, brutalmente, sobre a substância que lhe damos para vestir.

A antiga desculpa da “falta de tempo ou habilidade para formatar” dissolve- se. O conteúdo humano torna-se inevitavelmente proeminente. Ou somos compelidos a elevar a qualidade intrínseca das nossas ideias, ou a IA facilitará a proliferação em massa de banalidades perfeitamente formatadas. A eficiência pode ampliar o vazio, se este for a matéria-prima.

Neste sentido, a Genspark é mais do que um gerador de slides “bonitos”: é um espelho, polido pela IA, forçando-nos a confrontar, com uma clareza implacável, a profundidade real das nossas próprias criações.


O enigma da simplicidade: quando os robôs aprendem a navegar o caos

Os robôs de limpeza autónoma que vagueiam pelos nossos lares tornaram-se, ironicamente, metáforas palpáveis de um dos mais obstinados desafios da Inteligência Artificial: dotar máquinas de inteligência física — a capacidade inata, para os humanos, de navegar e operar com discernimento adaptativo no mundo material e desordenado. Estes dispositivos enfrentam a dureza e a imprevisibilidade do mundo físico a cada segundo: o obstáculo súbito, a textura variável do solo, o objeto delicado esquecido. O seu labor quotidiano expõe a lacuna entre o processamento de informação abstrata da IA e a destreza necessária para interagir com o caos.

É para superar esta lacuna que empresas como a Physical Intelligence propõem uma rota diferente. Longe da programação rígida para cenários limitados, a sua abordagem treina grandes modelos de comportamento a partir da observação massiva do comportamento humano no mundo real. Não partem de dados digitais isolados, mas de vídeos de pessoas a cozinhar em cozinhas desordenadas, a arrumar salas imprevisíveis, a interagir com materiais de formas variadas. A premissa é clara: ao “assistir” à complexidade das nossas ações quotidianas, a IA poderá captar os princípios subjacentes do senso comum físico — como objetos reagem, como adaptar o toque, como improvisar perante o imprevisto.

A meta é formar robôs equipados com um sentido físico generalista. Em vez de máquinas rígidas e especialistas — “limpar esta área desta forma” — surgem agentes que abordam diversas tarefas materiais com uma espécie de intuição aprendida: adaptam a forma como pegam nos objetos, desviam-se com fluidez, respondem ao inesperado sem instruções pré-definidas.

E é aqui que ressurge a fina e persistente ironia: a complexidade algorítmica que molda modelos de linguagem ou otimiza sistemas globais é agora mobilizada para replicar o que consideramos mais banal — a nossa própria destreza física ao interagir com o mundo. Investimos engenho considerável para ensinar um robô a apanhar um objeto frágil ou a navegar por um labirinto de pernas de mesa. A dificuldade em automatizar o nosso comportamento físico mais básico revela a complexidade oculta e a profunda inteligência física presente no trivial.

Estes robôs, aprendendo inteligência física através da nossa rotina desordenada, são mais do que aparelhos: são demonstrações vívidas de que a IA verdadeiramente útil precisa de dominar o mundo físico. São espelhos irónicos da inteligência escondida nas nossas interações mais simples — um território que empresas como a Physical Intelligence começam agora a mapear com serena obstinação.

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IT INSIGHT Nº 55 Maio 2025

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