Durante anos, a conectividade foi o símbolo máximo do progresso tecnológico. Com a promessa de redes mais rápidas, fiáveis e acessíveis, para sustentar a transformação digital, unir pessoas, e abrir caminho a novas formas de criar valor, à medida que a conectividade se tornou indispensável, os seus protagonistas tornaram-se quase invisíveis. Deixaram de ser vistos como agentes de inovação, para se tornarem meros prestadores de um serviço básico, tão essencial como a eletricidade ou a água
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Esta perceção acaba por ter consequências profundas. Quando a sociedade encara a conectividade apenas como algo que tem de funcionar, o valor deixa de estar na inovação e passa a residir na fiabilidade e no preço. O setor torna-se, assim, refém do seu próprio sucesso, pois quanto mais estável o serviço, menos evidente é o seu papel na criação de valor digital. O paradoxo europeuA Europa é atualmente o espelho mais evidente desta contradição. O continente conta com um dos ecossistemas mais regulados e fragmentados do mundo, composto por mais de uma centena de operadores nacionais, regras divergentes e mercados que continuam a respeitar fronteiras administrativas do século XX. Este quadro regulatório protege o consumidor, é certo, mas também inibe a competitividade e a escala. Enquanto os Estados Unidos e a China fomentaram a consolidação e criaram gigantes capazes de investir massivamente em inovação, a Europa mantém-se dividida, dificultando o investimento em tecnologias críticas como o 6G, o edge computing ou a inteligência artificial. O resultado é o de uma assimetria evidente em que, quem investe na infraestrutura, vê o seu valor diminuir e quem atua sobre ela, neste caso as grandes plataformas digitais, fica com a maior parte da rentabilidade. A oportunidade da Inteligência ArtificialO franco desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA) ao longo dos últimos anos trouxe uma nova camada a este debate. Podemos afirmar que, por um lado, representa uma ameaça, já que as grandes tecnológicas dispõem de capital, dados e talento, para monopolizar a próxima vaga de inovação. Por outro lado, é também uma oportunidade única para os operadores redesenharem o seu papel neste ecossistema digital. A verdade é que sem redes seguras, rápidas e resilientes, a IA não é escalável. A conectividade é, afinal, a base invisível que tornará possível a omnipresença da inteligência artificial, desde veículos autónomos a aplicações industriais e cidades inteligentes. Os operadores estão, portanto, numa posição privilegiada para levar a IA à periferia da rede, otimizando fluxos de dados, melhorando a experiência dos utilizadores e reforçando a soberania digital europeia. Mas, para isso, é necessário repensar o modelo atual. Acredito que o setor precise de liberdade regulatória, escala e novas formas de monetização, capazes de reconhecer o valor estratégico da rede como uma plataforma inteligente e não apenas como um canal de transmissão de dados. No geral, o desafio que a Europa enfrenta é, acima de tudo, de visão. Continuar a tratar a conectividade como uma commodity é desperdiçar uma das suas maiores vantagens competitivas, a capacidade tecnológica e o conhecimento acumulado em redes de nova geração. O momento exige, assim, um reposicionamento: a rede deve ser encarada como um ativo estratégico, motor de soberania e competitividade, e não apenas como um serviço regulado. A verdadeira inovação não vem apenas do software, mas sim da forma como as infraestruturas físicas e digitais se integram num ecossistema inteligente, preparado para suportar a próxima década de disrupção tecnológica. A conectividade não é apenas o que nos liga. É o que nos permite evoluir. Assim, o futuro da Europa digital vai depender da coragem com que o ecossistema souber reconhecer esse valor e devolvê-lo ao centro da inovação. |