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O futuro dos cuidados de saúde é digital

A pandemia pode ser a alavanca estratégica para a transformação do sistema de saúde, mas ainda falta alinhar modelos de financiamento, integrar soluções tecnológicas e partilhar informação entre prestadores para que a qualidade do serviço ao utente seja efetiva. Tratamento e gestão segura dos dados são dois grandes desafios

O futuro dos cuidados de saúde é digital

A COVID-19 veio acelerar, em poucos meses, a transformação digital no setor da saúde, com impacto direto sobre todo o ecossistema, desde as unidades hospitalares às farmácias. No entanto, como defendem vários especialistas contactados pela IT Insight, esta é uma oportunidade que não deve ser desperdiçada e uma (r)evolução que não pode parar no período pós- -pandemia. “Esta onda de aceleração tecnológica, que por norma demoraria anos, deve continuar no momento pós-pandémico com uma arquitetura de referência que defina a resiliência das infraestruturas, a interoperabilidade, a recolha de dados de forma segura e anonimizada e a usabilidade das soluções por parte dos utentes, profissionais de saúde e gestores”, defende Paulo Freitas, diretor do serviço de medicina intensiva no Hospital Fernando Fonseca e presidente do Conselho de Administração da Fundação Instituto Marquês de Valle-Flôr.

Para o médico intensivista, caberá aos prestadores de serviços tecnológicos na área da saúde e às instituições de saúde trabalhar em conjunto para que esta onda não “morra na praia” até porque, acrescenta José Mendes Ribeiro, membro do Conselho Estratégico do Centro Académico Clínico de Coimbra CHUC/UC, a transformação digital na saúde criará transparência, melhorará o acesso e a qualidade da prestação. “Em termos práticos, podemos acabar com as listas de espera, melhorar a qualidade da gestão e entregar melhores resultados aos cidadãos”.

Maria João Campos, diretora do serviço de Tecnologias da Informação e Comunicação no Hospital de S. João, no Porto, recorda que a pandemia obrigou a desafiar a burocracia e algumas barreiras institucionalizadas e a evoluir de uma forma muito rápida, desenvolvendo novos meios para a continuidade de prestação dos cuidados de saúde. E a este nível, destaca, “o trabalho de equipa multidisciplinar foi um aspeto absolutamente essencial”. No entanto, para o pós-pandemia, a responsável acredita que “será fundamental trazer a confiança à população para que procure os cuidados de saúde, priorizar os casos mais urgentes, e reduzir a burocracia institucionalizada no SNS”.

Oportunidade para inovar

A saúde digital, que engloba diferentes áreas como a telemedicina, a telesaúde, a medicina personalizada ou, até, os wearables, tem evoluído de forma considerável nos últimos 20 anos. Mais recentemente, e na opinião de Guilherme Victorino, professor auxiliar convidado na NOVA IMS e coordenador do Health & Analytics Lab, “a confluência da revolução digital e da revolução genómica criou um espaço de oportunidade para a inovação em saúde sem precedentes”.

Adicionalmente, o contexto do último ano veio demonstrar que muitos dos constrangimentos ao atendimento não presencial e à hospitalização domiciliária não eram reais. Desde março passado, grande parte das consultas passaram a ser realizadas de forma remota, uma tendência que, para Paulo Freitas, pode melhorar o acesso a cuidados de saúde por parte dos cidadãos localizados em geografias mais remotas e com menores condições de acessibilidade e de mobilidade, contribuindo também para o estabelecimento de uma relação de maior proximidade com o doente. “A teleconsulta poupa deslocações ao hospital, que causam desconforto, evitando custos desnecessários e, em caso de pandemia, reduzindo o risco de contágio”, defende. “Esta evolução vai obrigar a que as soluções hospitalares se orientem também para a prestação de cuidados de saúde fora das unidades, deixando de estar focadas na prestação presencial”, reforça Ricardo Constantino, partner & head of health and public sector da Everis Portugal. Para o consultor, a necessidade de responder de uma forma ágil a estas necessidades irá obrigar a transferir para a cloud uma parte significativa das soluções, e este será um dos desafios nos próximos anos. “Do ponto de vista tecnológico, a utilização da cloud e de machine learning é uma tendência a nível mundial, mas em Portugal têm sido feitas apenas algumas experiências”. No entanto, e tendo em conta a flexibilidade que é necessária para a transformação digital, “esta será uma tendência em Portugal nos próximos anos”, acredita Ricardo Constantino. No fundo, reforça Guilherme Victorino, “com as alterações, fruto da crise pandémica, há um novo olhar para o potencial transformador destas tecnologias face aos desafios complexos que enfrentamos”.

Estratégia e liderança, precisam-se!

Mas para que a saúde digital seja uma realidade, não basta investir nos mais complexos e avançados sistemas de informação. É verdade que tecnologias como Inteligência Artificial (IA), machine learning, IoT, ou 5G, vão trazer grandes benefícios. No entanto, como refere Carina Adriano, diretora de sistemas e de tecnologias de informação do Infarmed, “é preciso garantir que a liderança, processos e pessoas estão preparadas para lidar com estas tecnologias, de forma a delas tirar partido e a potenciar o investimento”. Uma opinião partilhada por Paulo Freitas que acrescenta que a estratégia para a saúde, nomeadamente para um melhor funcionamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS), “terá de sofrer uma reviravolta para, entre outras coisas, permitir a integração e disponibilização da informação sobre cada doente da forma mais imediata possível”. Segundo o intensivista, “qualquer tecnologia inovadora deveria permitir que caminhássemos para uma visão centrada nas pessoas que permita a cada um de nós, enquanto cidadão, ser acompanhado ao longo da sua jornada de saúde pela sua informação clínica, ao invés desta estar compartimentada em silos por cada unidade de saúde, especialidade, ou nível de cuidados”. Maria João Campos defende igualmente a necessidade de colocar o utente no centro da prestação, considerando que é “uma tendência incontornável. Para a responsável de IT do Hospital de S. João, “os aceleradores de inovação como as aplicações, a IA ou a IoT permitem-nos abordar novos desafios de uma forma disruptiva que promovem uma verdadeira transição digital”. No maior hospital da região norte, a tecnologia faz há muito parte da atividade diária e tornou-se numa commodity, desde a chegada do utente ao hospital até à realização de exame, consulta ou cirurgia. “Temos atualizado todas as infraestruturas tecnológicas e investido muito em informatização e automação de processos para os tornar mais simples e eficientes”, salienta.

Em suma, e como resume Guilherme Victorino, interoperabilidade, centralidade no utente e facilidade de utilização são os fatores essenciais para que o sistema de saúde funcione sem entropia. “Temos de partir de um sistema de saúde com um modelo centrado no prestador de cuidados, onde os doentes são recetores passivos, para ecossistemas de saúde que capacitam as pessoas, aproveitando a infraestrutura e tecnologia digital para apoiar e permitir uma maior participação na gestão da sua saúde e promoção do bem-estar, apoiados por equipas de cuidados de saúde como parceiros”.

O desafio da integração e da partilha

A falta de comunicação entre sistemas de informação continua, no entanto, a ser uma das grandes lacunas, identificadas pelos especialistas contactados pela IT Insight, no setor da saúde. Uma parte significativa dos hospitais em Portugal tem soluções hospitalares por unidade, “com falhas ao nível da qualidade da informação e capacidades limitadas de integração com as soluções de outras unidades”, afirma Ricardo Constantino. Na opinião do consultor, esta é uma das razões pela qual muitas das iniciativas de transformação digital não permitem atingir os resultados pretendidos. “Existe um grande bloqueio de partilhar informação entre o setor público e o privado, e isso não beneficia os cuidados do utente”, reforça Pedro Salgado, health solutions manager na F3M.

Na opinião de André Coutinho e Jorge Carvalho, Managing Partners da Brighten, este bloqueio acontece porque ainda existe um parque de soluções neste setor assente em tecnologias ultrapassadas, a par com uma enorme falta de uniformização de processos, e políticas que se traduzem em ineficiências. Além destas, os Managing Partners destacam ainda alguma resistência à transformação digital que ainda existe, sobretudo no setor público, ou a falta de perceção sobre a vertente logística que pode funcionar como catalisadora de eficiência e simplificação, como razões que estão a travar a inovação na saúde. “A capacidade e agilidade de integração de sistemas numa indústria ainda pouco madura tecnologicamente é, e será, nos próximos anos um dos principais desafios no setor da saúde”, acrescenta David Vieira, diretor de sistemas de informação no grupo Luz Saúde. Paralelamente, diz Ricardo Constantino, “existe uma necessidade de melhorar a qualidade de informação clínica e administrativa, de forma a criar as bases para a transformação digital necessária”.

Já a solução, aponta José Mendes Ribeiro, passará pela criação de uma infraestrutura tecnológica e de comunicações que permita o acesso e a partilha da informação entre todos os operadores do sistema de saúde, em benefício do cidadão. “Temos o fundamental que são os ingredientes. O que nos falta em muitas circunstâncias é clareza nos objetivos, no planeamento e na liderança”, reforça.

Recuando umas décadas, Paulo Freitas recorda que o primeiro movimento da informatização visava eliminar o papel nos hospitais. “A informação passou a ser registada de forma eletrónica, mimetizando os processos em papel”. Contudo, acrescenta, “cada área do hospital apostou no desenho das suas soluções para servir os seus objetivos, o que levou à multiplicação de inúmeras aplicações, com diversos login e passwords. O resultado foi a criação de torres de comunicação que não comunicavam”. Mais tarde, explica o intensivista, acumularam-se erros que levaram à aposta em soluções diferentes em cada instituição que não eram consideradas user-friendly para os profissionais de saúde, que sentiam muita dificuldade no acesso a informação de valor. Na prática, o hospital sem papel não se traduziu num aumento de eficiência. Ainda hoje, diz Paulo Freitas, “os profissionais de saúde são subjugados por sistemas de informação, onde perdem seguramente mais de 50% do seu tempo. Lutam por um computador, e acabam por escrever em papéis o que mais tarde transcrevem para um sistema de informação”. E este é, precisamente, um dos desafios para o futuro, criando condições para que os profissionais de saúde se possam dedicar aos casos clínicos mais complexos e exigentes. “A tecnologia tem de servir como um apoio, tanto do ponto de vista administrativo como clínico, mas ainda temos um longo caminho pela frente”, conclui o responsável do Hospital Fernando Fonseca. Por agora, confirma Guilherme Victorino, há uma grande frustração em torno do digital.

“Esta frustração estende-se a profissionais de saúde, onde os processos e a carga burocrática ainda não diminuíram significativamente, e aos doentes onde o acesso e a qualidade dos cuidados ainda apresentam oscilações relevantes”. Para o professor da NOVA IMS, o digital continua a ser frequentemente confundido com a simples implementação de sistemas tecnológicos, “em vez de estar relacionado com tornar a experiência de utilização dessas tecnologias mais humana e relevante para cada utilizador final”.

Pioneirismo versus falta de investimento

Apesar das ineficiências que ainda se verificam no SNS e no ecossistema de cuidados de saúde em Portugal, o país encontra-se “num bom patamar de desenvolvimento tecnológico”, afirma Pedro Salgado da F3M que destaca alguns exemplos pioneiros, que têm servido de modelo a outros países europeus, como a receita eletrónica ou os meios complementares de diagnóstico eletrónicos. Na área da imagem, complementa Paulo Freitas, as ferramentas de tratamento da Imagiologia e o ECG eletrónico com análise diagnóstica que, entre outros benefícios, permitem comparar a evolução entre exames “representam um impacto positivo muito significativo no dia-a-dia dos profissionais de saúde, nomeadamente, no que respeita à tomada de decisão clínica baseada numa evidência do histórico do respetivo doente”. A Linha Saúde 24, que ganhou ainda mais visibilidade durante a pandemia, é outro exemplo positivo referido pelo intensivista do Hospital Fernando Fonseca. “Auxilia o cidadão no diagnóstico bem como permite identificar os casos mais graves que devem seguir para as urgências hospitalares, facilitando o trabalho dos profissionais de saúde e libertando a pressão nos serviços hospitalares tipicamente muito dispendiosos”.

Já ao nível do planeamento de cuidados de saúde e decisores políticos, Paulo Freitas destaca o lançamento da ADAPTT Surge Planning Support Tool por parte da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), em colaboração com uma multinacional tecnológica portuguesa e a Organização Mundial de Saúde (OMS). A ADAPTT é uma ferramenta gráfica destinada a ser utilizada por especialistas seniores em planeamento. É flexível, permitindo que os utilizadores dos vários países insiram os seus dados epidemiológicos, variem os cenários de mitigação (ao usar o modelo epidemiológico ilustrativo da ferramenta), e adaptem a ferramenta a diferentes attack rates. A ADAPTT possibilita a introdução das práticas e atividades hospitalares, assim como a capacidade de diferentes tipologias de camas e de recursos humanos.

No entanto, a adoção de tecnologia inovadora implica um maior alinhamento dos modelos de financiamento do sistema, lembra Guilherme Victorino. “Para acontecer seria necessário centrar o modelo de financiamento no conceito de valor em saúde e não apenas na produção”. Na opinião do professor, a implementação de soluções baseadas em saúde digital deve ser acompanhada de incentivos financeiros para os prestadores de cuidados de saúde, a fim de eliminar as barreiras financeiras da adoção. “Os sistemas de financiamento devem adaptar-se para facilitar a adoção de soluções digitais em saúde”, aponta.

Durante a pandemia, “fizemos muito com muito pouco”, diz Maria João Campos. No Hospital de S. João, exemplifica, algum do investimento já estava planeado, mas outro foi alavancado com a pandemia para permitir maior flexibilidade e disponibilização de recursos. Ainda assim, reforça, “faltam meios e investimento em IT na saúde, e o Plano de Recuperação e Resiliência é demasiado centralizador na proposta de investimento, o que deixará de fora muitas das necessidades dos hospitais”.

Transformar dados em informação de qualidade

Nos sistemas de saúde, tal como acontece noutros setores, a multiplicação crescente dos dados está a criar um conjunto de novos desafios. Há mesmo quem diga que os dados são o novo petróleo, mas de nada serve ter sistemas inundados com terabytes de dados, se a informação que deles se extrai não for de qualidade. Para Ricardo Constantino, existe um primeiro desafio estrutural relacionado com a melhoria da qualidade dos dados. “Grande parte das tendências na área da saúde precisam de muitos dados e dados com qualidade. Existe também cada vez mais informação do lado do cliente que é preciso ter em conta e trazer para dentro das soluções. Esta necessidade coloca desafios importantes na verificação da sua qualidade e nos modelos de governação destes dados”. Para fazê-lo, é fundamental, na opinião de Pedro Salgado, recorrer a ferramentas de IA, IoT ou de Business Intelligence – que permitem fazer a recolha de informação dos utentes -, com vista a “aproveitar o conteúdo e a dimensão dos atos que temos nas nossas plataformas para ajudar, de alguma forma, o pessoal de saúde a tomar decisões mais rápidas”.

Por outro lado, outro grande desafio ao nível dos dados, está relacionado com a sua segurança. A melhoria da segurança dos dados tem sido, para Nuno Bajanca, technical architect consulting - Data Center & Multi Cloud na Warpcom, uma grande preocupação no setor da saúde nos últimos anos. Desde 2018, com a introdução do Regime Geral da Proteção de Dados (RGPD), as instituições de saúde foram obrigadas a reforçar as normas de segurança, a alterar um conjunto de procedimentos que permitam garantir a total confidencialidade aos utentes, recordando o caso de um centro hospitalar multado em 400 mil euros por incumprimento destas práticas. “As empresas do setor de saúde precisam de guardar processos com dados pessoais e clínicos dos seus doentes, cujo acesso rápido e por um grande número de pessoas pode ser crucial para salvar vidas”, afirma. No entanto, acrescenta, é preciso garantir que todos os procedimentos são cumpridos, especialmente porque os profissionais de saúde não são utilizadores especializados em sistemas sendo, por isso, pontos frágeis no sistema. “Nunca devemos esquecer a individualidade de cada pessoa, e a segurança dos seus dados. Muitas das vezes temos visto no setor da saúde, um excesso de facilitismo na forma como se pretende acelerar esta transformação, descurando aspetos essenciais como a segurança”, salienta David Vieira. José Mendes Ribeiro reforça esta ideia: “a premissa fundamental é respeitar que os dados de saúde são pertença de cada cidadão e devem ser tratados e protegidos com toda a segurança”. Para o membro do Conselho Estratégico do Centro Académico Clínico de Coimbra, “esses dados são mais úteis para cada um de nós se ficarem disponíveis num Registo de Saúde Eletrónico (RSE) universal a que o cidadão possa aceder e dar consentimento a que sejam usados de forma útil pelos diferentes parceiros envolvidos na cadeia de valor da saúde”.

Mas a questão da confidencialidade dos dados traz também grandes desafios para as aplicações, que ajudam a garantir que esses dados não são partilhados com qualquer tipo de utilizador. O alerta chega pelas palavras de Pedro Salgado que, exemplifica: “nos processos manuais era muito fácil um processo clínico andar de mão em mão e era muito mais difícil garantir esse tipo de segurança”. Com o recurso às ferramentas tecnológicas, esta questão tem de manter-se salvaguardada. “Há uma série de desafios gigantes a nível da estrutura tecnológica para suportar todo este volume de dados, mas deve ser o Estado a promover um alinhamento das várias empresas de software para se conseguir fazer este tipo de partilha de informação, por forma a melhorar a forma como prestamos cuidados atualmente”, reforça o responsável da F3M.

Futuro da saúde passa pelo 5G

Os desafios de alcançar uma medicina mais personalizada e de garantir o acesso aos cuidados de saúde a milhões de pessoas em todo o mundo em geografias mais distantes são, na opinião de José Mendes Ribeiro, concretizáveis com a introdução da tecnologia 5G ao serviço da saúde. “A par com a capacidade da cloud são componentes decisivas neste grande desafio”. A capacidade de monitorizar parâmetros clínicos que o IoT e a tecnologia 5G estão a exponenciar, assim como a aplicação de algoritmos (IA) a partir da análise de grandes conjuntos de dados (big data) vão ajudar a uma medicina de precisão e ao desenvolvimento de ferramentas preditivas que permitirão melhorar consideravelmente muitas patologias existentes. “Isso é tão importante para a qualidade de vida das pessoas como para a sustentabilidade dos sistemas de saúde que terão de gerir uma população mais envelhecida e mais exigente”, reforça.

Na opinião de David Vieira, este fenómeno na saúde representará, por um lado, “a oportunidade de receber em tempo real os dados dos dispositivos que carregamos connosco ou que interagimos diariamente, mas também de todos os dispositivos médicos que hoje em dia existem nos hospitais e que não comunicam com nada”.

Guilherme Victorino tem uma opinião semelhante. “As redes 5G têm o potencial de contribuir para a transformação digital, fornecendo níveis essenciais de conectividade para permitir um novo ecossistema de saúde, que possa satisfazer as necessidades dos doentes e dos prestadores de cuidados de saúde de forma eficiente, rentável e a uma escala substancial”. No entanto, acredita o professor, para realizar todo o potencial das redes 5G em áreas como a telesaúde, a cirurgia robótica, o seguimento dos doentes via wearables ou a implementação de modelos preditivos para decisão clínica, a segurança e privacidade dos dados são primordiais. “Ainda há, por isso, desafios éticos, sociais e legais que devem ser endereçados e que devem caminhar a par com a tecnologia”.

Ainda no que se refere à ética na utilização de tecnologias exponenciais, António Madureira, diretor do serviço de radiologia no Hospital de S. João, deixa um alerta para a importância da formação de recursos em ferramentas CAD (computed aided-diagnosis), entre as quais a IA será o verdadeiro ‘game-changer’. “Será necessário um cuidadoso processo de validação e seguimento numa fase inicial pois como a mente humana não consegue perceber na sua totalidade os algoritmos utilizados, se as ‘respostas’ forem aceites de modo acrítico podem ser cometidos erros graves”.

Para o responsável do Hospital de S. João, estas tecnologias são apenas a porta para um novo mundo que desconhecemos. “Existirão muitas aplicações e ferramentas com as quais nem sequer sonhamos, e que nos próximos dez anos se vão tornar de uso corrente e modificar totalmente a medicina (e a radiologia), tal qual as conhecemos”, acredita.

Para já, e de volta ao presente, resta tirar as lições possíveis da pandemia que veio mudar o mundo em geral, e o setor da saúde, em particular. “Uma delas é de que todos somos poucos nestes momentos e por isso se espera que as políticas públicas sejam um fator de agregação de conhecimento, estimulando todos os setores e todos os atores para cooperarem na procura das melhores soluções”, afirma José Mendes Ribeiro que espera que, com este objetivo, sejam mobilizadas universidades, centros de inovação, institutos públicos, farmacêuticas, operadores do setor público, privado e social, tecnológicas, empresas de comunicações, investigadores “e, obviamente, os atores políticos, pois cabe-lhes galvanizar os portugueses para esta iniciativa. Seria um excelente legado do Portugal do século XXI”, conclui.

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