Na Web Summit 2025, a Start Campus e a Nscale defenderam que a Europa tem agora condições única para afirmar uma liderança própria e inteligência artificial. O investimento da Microsoft em Sines é visto como prova de que o continente está a levar a sério a soberania digital e a infraestrutura energética que sustenta a nova economia de IA
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O investimento de 10 mil milhões de dólares da Microsoft no data center da Start Campus em Sines, através da Nscale, marcou o ponto de partida do debate “How Europe can lead in AI” na Web Summit 2025. “No início do ano falava-se muito sobre soberania digital e sobre a ambição europeia de recuperar terreno face aos Estados Unidos e à China”, recorda Daniel Bathurst, CPO da Nscale. Atualmente, o sinal é claro, já que este investimento “é uma prova concreta de que a Europa quer expandir os seus serviços em toda a região”. O discurso sobre o alegado atraso europeu começa, aliás, a perder força – afinal, como sublinha Omer Wilson, CMO da Start Campus, “quando se fala num investimento de 10 mil milhões de dólares, é difícil continuar a chamar-lhe atrasada”. A aposta em Sines não é por acaso e o contexto energético foi determinante, uma vez que “Portugal é único a nível mundial – cerca de 81% da rede nacional já provém de fontes renováveis, o que é impressionante, e o país quer chegar aos 90% num curto espaço de tempo. Isso foi decisivo”, diz Omer Wilson, que reforça a relevância estratégica deste projeto. Desafios e condições para a nova geração de data centersO responsável apontou ainda três fatores que sustentam a viabilidade do projeto, sublinhando que “o custo da energia é muito competitivo quando comparado com outros mercados europeus de topo. Não é tão barato como na Escandinávia, mas está próximo. Outro fator importante é o arrefecimento com água do mar. No nosso caso, reciclamos a água, verificamos a temperatura e devolvemo-la dentro dos limites ambientais. Isto é essencial, porque o consumo de água nos centros de dados de IA é um tema cada vez mais monitorizado”. Por sua vez, Daniel Bathurst destacou três desafios principais na construção de infraestrutura na Europa. O primeiro está relacionado com a “energia, que é preciso ter acesso a grandes quantidades e a custos relativamente baixos”; o segundo prende-se com o talento, já que “estamos a falar de uma infraestrutura muito complexa, que exige especialistas em várias áreas tecnológicas”; e, por fim, com a supply chain, uma vez que “há uma escassez, sobretudo em equipamentos de rede, por isso é preciso ser rápido nas encomendas, porque toda a gente quer o mesmo tipo de infraestrutura”. Para o CPO da Nscale, o panorama europeu mudou rapidamente porque há, sem dúvida, “um investimento massivo de empresas europeias e multinacionais, como a Nscale e outras, em infraestruturas de computação e investigação”. No caso da Nscale, que trabalha publicamente “com empresas como a OpenAI, além de governos e universidades”, o responsável considera que “a procura por capacidade de computação tem disparado – sobretudo com o avanço dos modelos de raciocínio, que exigem muito mais recursos”. Fábricas de IA e liderança europeiaO conceito de “fábricas de IA” foi mencionado por Omer Wilson que, explica, “é uma instalação com mais de um gigawatt de capacidade, totalmente dedicada a cargas de trabalho de IA. É diferente de um data center tradicional”. Para o responsável, “a Europa começou mais tarde, mas isso permitiu-lhe aprender com os erros dos outros e construir de forma mais sustentável”, enquanto nos outros sítios, explica, “há pressa em erguer infraestruturas, aqui há uma preocupação real com o impacto ambiental”. Para ambos os responsáveis, o continente tem condições para afirmar um modelo próprio de liderança tecnológica. “Em termos de desenvolvimento de modelos de linguagem, será difícil ultrapassar os EUA ou a China. Mas em termos de aplicação da IA à sociedade e aos diferentes setores, isso está em aberto. A Europa pode liderar pela forma como está a integrar a IA de forma responsável e regulada”, observa Omer Wilson. “A Europa tem talento e uma história de inovação”, sublinha Daniel Bathurst, acrescentando que “o problema nunca foi a inteligência, mas sim o acesso à capacidade computacional. Se conseguir resolver isso, poderá ter um papel decisivo na próxima geração de avanços em IA”. “Apesar de ser britânico, mudei-me de Singapura para Lisboa e costumo dizer que Portugal é a Singapura da Europa, pela conectividade, pela qualidade das pessoas, pela criatividade e pelo talento técnico”, destaca Omer Wilson. Para o responsável, Sines “é apenas um dos muitos polos que estão a emergir na Europa” – um sinal de que o continente começa, finalmente, a posicionar-se como protagonista na nova era da inovação tecnológica. |