Nikola Mrkšić expõe no Web Summit porque é que a maioria das empresas continua presa em pilotos de IA que nunca escalam e o problema começa em quem as aconselha
|
A realidade da transformação digital está à vista de todos: as empresas que adotaram rapidamente soluções cloud ganharam uma vantagem competitiva, enquanto as restantes ainda lutam para migrar. Agora, com a Inteligência Artificial (IA), a história repete-se, mas desta vez o fosso entre vencedores e perdedores pode ser ainda maior. Nikola Mrkšić, Co-Founder & CEO da PolyAI, diz que não tem paciência para o teatro corporativo em torno da IA. Na sua sessão no Web Summit, intitulado “Escaping Pilot Purgatory: Turning AI Experiments into Enterprise ROI”, foi direto ao ponto: “pensar que vão vender-vos algo eficaz que canibalize a receita é uma ilusão. Todas as empresas estão dispostas a detonar-se a si próprias, a serem uma disrupção; são muito boas nesse discurso corporativo. Na prática, não o fazem realmente”. A empresa de Mrkšić já opera agentes de IA que fazem o trabalho de milhares de pessoas para vários clientes empresariais. A prova de conceito existe e o problema não é saber se a IA funciona em escala, até porque funciona. A questão é porque é que a maioria das empresas continua presa num purgatório de pilotos que acabam por nunca escalar. O problema do enviesamentoA raiz do problema, segundo Mrkšić, está em quem aconselha os decisores. CEO e CIO, com medo de ficarem para trás como aconteceu com a cloud, precipitam-se em compromissos com a inteligência artificial. No entanto, importa perguntar de quem recebem esses conselhos. A resposta é nas grandes tecnológicas e dos fornecedores tradicionais de CRM, empresas cujo modelo de negócio depende de vender software baseado em licenças por utilizar, explica o Co-Founder & CEO da PolyAI. “Se estão a comprar automação de contact center de uma empresa que vos vende telefonia e, especialmente, lugares para agentes de contact center, não é do interesse deles que tenham menos desses lugares”, alerta Mrkšić. O orador utiliza uma analogia com a guerra na Ucrânia. O país precisa de comprar armamento e não basta ouvir o representante norte-americano, britânico ou francês e escolher quem fez a melhor apresentação. É preciso perceber o que se está a comprar, como um sistema antiaéreo, e o quanto cada um é necessário. No entanto, diz, os executivos de topo raramente estão nos detalhes. “Fazem estes grandes compromissos, mas passa um ano e olham para o que compraram. Se tivessem dado ao trabalho de perguntar àqueles que na sua empresa têm opinião, que têm pensado nisso, provavelmente teriam tomado decisões muito diferentes no topo”, partilhou. A ausência de resposta (de confiança)Um dos problemas fundamentais que o setor enfrenta é a ausência de fontes credíveis de informação. “Não existe algo como um Yelp para plataformas de IA. Não há um sítio verdadeiramente confiável e verificado para onde se vá encontrar pessoas e plataformas em que se pode depender”, afiançou Mrkšić. Assim, a pergunta que se impõe é onde devem os CTO e CIO procurar essa informação. A resposta, de acordo com Mrkšić, não é simples e passa por mudar a abordagem. Em vez de compromissos top down com hyperscalers, as empresas precisam de começar pelos casos de uso específicos. Construir internamente ou comprar soluções especializadas; ambas as opções têm os seus desafios, mas o essencial é começar pelo problema e não pela tecnologia. É a diferença entre dizer “vou comprar muita eletricidade” depois da revolução industrial, em comparação com perguntar “o que é que preciso de fazer com esta energia”. Mrkšić partilhou alguns casos do que significa ROI em IA e não é apenas eficiência de custos. No setor da hospitalidade em Las Vegas, onde a PolyAI está implementada em metade dos grupos de casinos, o problema não é despedir pessoas, mas sim o custo de oportunidade de não atender chamadas. Quando alguém telefona para reservar uma estadia e utiliza o seu cartão de fidelidade e pontos de jogo e ninguém atende, essa pessoa vai online e acaba por reservar através de agências online que ficam com 30% da receita. “Se atendem a chamada, isso significa que basicamente conseguem não perder 30% e ainda ganhar 50% mais receita”, explicou. Para um grupo de restaurantes, por exemplo, a implementação traduziu-se em sete milhões de dólares de receita adicional anual. Já no retalho, por exemplo, o desafio é sazonal, mas igualmente crítico. Entre o período da Black Friday até ao Natal, as empresas precisam de triplicar os recursos, mas não é possível contratar todas essas necessidades. Isso leva a que “os níveis de serviço caiam para além do aceitável e muito para o vermelho. Agora, podem simplesmente atender essas chamadas telefónicas e fazer todo esse negócio, manter os clientes felizes e manter a gestão feliz”, diz. A lógica é simples: estas organizações tornam-se versões super-humanas de si próprias. Atendem todas as chamadas, em qualquer língua, a qualquer hora, com picos de procura por vezes dez vezes superior ao normal. Fazem coisas que nunca poderiam fazer antes, mesmo que contratassem mais pessoas e tivessem muito mais humanos nos contact centers. O fator humanoMrkšić partilhou que em nenhuma implementação feita pela PolyAI levou a despedimentos forçados, mesmo automatizando entre 80 a 90% de todas as chamadas telefónicas. A razão, segundo o orador, é simples: a rotatividade já é superior a 100% ao ano. A permanência média é de apenas sete a oito meses. As pessoas saem por si próprias, não por causa da inteligência artificial, mas porque não aguentam atender a milésima chamada sobre como configurar um determinado produto. “Somos humanos. Somos muito maus com variedade e somos muito maus a lidar com tédio”, observou. Segundo Mrkšić, as pessoas que ficam veem as suas vidas a melhorarem. Tornam-se co-pilotos do sistema, controladores do tráfego aéreo que reagem a sinais atípicos. Quando começar a chegar milhares de vezes mais chamadas sobre um problema específico, investigam e descobrem que uma página web deixou de funcionar. “80% dos futuros Chief Operating Officer vão ser pessoas que implementaram IA com sucesso no contact center”, prevê Mrkšić, que acrescenta que os operacionais que dominam estes sistemas estão a tornar-se Chief AI Officers. Gestão de riscoQuando confrontado sobre os riscos de implementações de inteligência artificial que correm mal, Mrkšić defende que “não há grandes riscos” e que se está a ser “completamente exagerado”. Na sessão, aproveita para fazer uma comparação provocadora. Os carros matam cerca de 250 mil pessoas por ano só na China, mas continuam a ser uma das principais forças de produção. No contact center, o pior que acontece é o cliente ficar confuso e pedir uma transferência para um operador humano. O verdadeiro risco, na sua visão, é não fazer nada. É ser uma das empresas que colapsa porque não conseguiu implementar as próximas tecnologias, tal como aconteceu com as que não migraram para a cloud a tempo. Maioria do trabalho será feita por IAMrkšić não hesita em fazer uma previsão a cinco anos: 80% do trabalho será feito por IA. A curva exata é incerta, no entanto, uma vez que talvez 50% do trabalho seja feito por IA no espaço de dois anos e não num porque as empresas são complexas e precisam de tempo para encontrar o caso de uso certo, montar as equipas adequadas e provar o conceito. Apesar disso, prevê que, dentro de um ano, “a maioria das empresas terá encontrado o seu destino através de um fornecedor ou múltiplos fornecedores para implementar IA por elas”. Os bem-sucedidos vão tornar-se mais vocais e vai ser mais fácil começar com eles como referência. E depois, nos anos seguintes, a escalada para a maioria do tráfego em praticamente tudo o que é serviço ao cliente. A mensagem final para CTO e CIO pode ser, no entanto, incómoda: a janela para escolher em que campo ficar, se nos vencedores ou nos perdedores, está a fechar-se. Desta vez, ao contrário da cloud, a esoclha está a ser feita por quem se aconselha e quais os problemas reais que resolve primeiro, não por quanta tecnologia se compra. |