“As empresas que querem ser entendidas como inovadoras têm de o ser primeiro, e só depois posicionar-se como inovadoras”

Salvador da Cunha, CEO da Lift Consulting, analisa o papel estratégico que a comunicação deve assumir no seio das organizações e o impacto dos Large Language Models (LLM) nestes fluxos de trabalho

“As empresas que querem ser entendidas como inovadoras têm de o ser primeiro, e só depois posicionar-se como inovadoras”

Para os nossos leitores menos familiarizados com o tema, comecemos por um enquadramento: qual é o papel de uma agência de comunicação na estratégia de comunicação das empresas?

Nós trabalhamos com muitas empresas que já têm estratégias completamente montadas, nomeadamente grandes multinacionais que chegam aos países e já têm a sua estratégia e o seu posicionamento feito. Nós podemos ajudá-los a montar estratégias de implementação, e não tanto a montar estratégias de raiz de comunicação.

Agora, para clientes portugueses, montamos muitas estratégias de comunicação e ajudamos os clientes a conseguirem codificar a forma como eles querem ser percebidos pelo mercado.

As empresas têm uma personalidade que é marcada pelos gestores dessas empresas e há procedimentos, estratégias e formas científicas para fazer com que os gestores moldem as empresas da forma como querem que as pessoas as percebam, as entendam, as reconheçam.

Estas perceções dos stakeholders externos são muito importantes porque são eles que, no fundo, fazem com que as empresas tenham atividade. São os seus clientes, os seus colaboradores, cada vez mais importantes, são os seus acionistas, são as entidades públicas, o Governo, o Parlamento, as Câmaras Municipais, entidades licenciadoras, reguladores…

As empresas têm um conjunto enorme de stakeholders com os quais têm de comunicar em permanência. As empresas, até há muito poucos anos, comunicavam com os clientes e depois, em petit comité, comunicavam com os reguladores, com o Governo, com as autarquias. Hoje têm de fazer isso de forma estruturada: têm de mapear todos os seus stakeholders, têm de perceber como é que a empresa quer que eles a entendam e se a reconhecem bem, se não reconhecem bem, se há processo de comunicação ou não há processo de comunicação.

Montar toda uma estratégia de posicionamento, de propósito, todas as mensagens, definir quem são os stakeholders base, quais são as mensagens para cada um deles e quais são depois os canais através dos quais eu vou chegar ao stakeholder-chave – são as regras básicas de uma estratégia de comunicação. Os gestores têm de fazer um exercício de perceber como é que eles querem ser entendidos.

As empresas que querem ser entendidas como empresas inovadoras têm de se posicionar; têm de ser inovadoras primeiro, depois têm de se posicionar como inovadoras e têm de construir um conjunto de mensagens à volta dos processos de inovação que têm implementados.

Com a emergência dos Large Language Models, começa a observar-se a "contaminação" de tudo o que é comunicação por parte de conteúdo produzido através da utilização destas ferramentas. Encaram este risco como real, ou seja, o risco de cortar os canais que estão estabelecidos?

Acho que não. Acho que [os modelos] nos têm ajudado muito, a nós e aos clientes, a aumentar a produtividade e o fluxo. A inteligência artificial ajuda- -nos a montar esqueletos, mas não nos ajuda a fazer o produto final. Fica fake e os stakeholders não gostam. Tudo o que cheira a falso é descartado e isso vê-se cada vez mais, e já se via antes da entrada em cena de forma espetacular do ChatGPT, que tudo o que era programação de emails, tudo o que era spam, já era filtrado pelos sistemas.

Há aqui muita orgânica que tem de existir ainda e muita mão humana em cima da revisão de algumas das bases de conteúdo que possam existir.

O que é que eu tenho visto acontecer? Tenho visto os clientes manterem exatamente a relação que têm connosco e nós sermos mais produtivos na forma como tratamos aquele trabalho.

Em vez de uma ação de comunicação demorar dois, três dias, se calhar demora só oito horas. Eu consigo ser mais produtivo, consigo fazer o mesmo trabalho com a mesma qualidade e, às vezes, mais qualidade ainda, mas em menos tempo. Agora, [o ChatGPT] não tem substituído, nós não vemos uma substituição. Vemos uma ajuda grande, mas não vemos uma substituição. Permite-nos, com a mesma estrutura, trabalhar mais para os clientes e ter mais clientes com a mesma estrutura.

Tudo isto está muito no princípio. Nós tivemos uma formação com 85 pessoas sobre os Large Language Models – ChatGPT, Copilot e outros –, mais um conjunto de ferramentas que estão a surgir, sobretudo ferramentas para as áreas de design, de vídeo, que são muito interessantes.

As agências têm a particularidade de se atualizarem muito mais rapidamente do que os clientes. Portanto, os clientes confiam muito mais em nós, mesmo sabendo que nós utilizamos estas ferramentas e, às vezes, até porque nós utilizamos estas ferramentas, para fazermos coisas com ainda mais qualidade do que aquelas que fazíamos antes.

Eu tenho a ideia de que, pelo menos nos próximos dois, três anos, isto vai ser muito bom para as agências que se conseguirem adaptar e introduzir os LLM dentro dos seus modelos de trabalho. Aquelas que não conseguirem, provavelmente, vão ficar mais para trás.

Mas isto acontece com todas as disrupções tecnológicas que existem, já aconteceu com a Internet… nós estamos num período da vida em que todos os dias aparecem tecnologias disruptivas em que ou nos adaptamos ou não nos adaptamos, ou ficamos para trás, ou vamos em frente.

A difusão destas ferramentas não poderá levar a uma uniformização da comunicação?

Pode haver esse risco, mas acho que, quando isso acontecer, quem se vai destacar é quem não está uniformizado. Na comunicação destaca-se sempre quem é inovador, quem é criativo. E a criatividade são sempre coisas novas. Quando a coisa começa a entrar dentro de um padrão, as pessoas fartam-se desse padrão e vão à procura de coisas novas.

Quem entrar por esse caminho e achar que “ok, já tenho aqui a minha vida feita, vou despedir os meus diretores criativos e agora tenho aqui uma inteligência artificial a fazer-me os slides de PowerPoint” está morto porque dura seis meses e a seguir os clientes fartam-se daquilo e vão outra vez à procura de coisas inovadoras e criativas.

Não estou a dizer que não devemos usar; nós temos de usar, vamos ter de usar como base de algum do trabalho que fazemos. Mas vamos ter de construir muito em cima disso. Vai-nos tirar muitas horas de trabalho? Vai. Mas vai substituir a criatividade? Nem pensar. Na minha opinião, não vai substituir a criatividade nem vai substituir as relações humanas.

Uma das coisas mais importantes de uma agência de comunicação é a sua influência junto dos meios de comunicação social. É poder pegar um telefone e falar com um jornalista que eu conheço há muitos anos e dizer “olha, aconteceu isto, isto e isto”.

Portanto, acho que não. Acho que esta padronização vai ser o risco dos bacôcos. Quem começar a fazer isso vai cair numa armadilha de poder fazer as coisas durante algum tempo, mas não vai enganar toda a gente durante todo o tempo. Isso não vai acontecer. Por isso é que eu acho que a inteligência artificial traz muito mais oportunidades do que riscos efetivos. E o risco está em não abraçar, em não aderir.

Hoje é muito mais fácil replicar a criatividade dos outros. É possível, por meio destas ferramentas, quase fazer um input de uma peça já criada por outros. Que implicações é que esta situação traz?

Isso sempre aconteceu. Na criatividade acho que houve sempre os copycats e os originais. Sempre aconteceu isso. Agora, pode acontecer de forma mais rápida. Posso, de facto, imputar um modelo e dizer “olha, faz uma coisa parecida com isto”. Agora, o mercado reconhece os originais das cópias. Mesmo na arte, sempre reconheceu. Os originais vão sempre ser mais caros e vão sempre prevalecer; e as cópias vão sempre ser cópias. Sinceramente, acho que nunca vingou e não é agora que vai vingar.

O que não quer dizer que os criativos não se inspirem noutros criativos, não se inspirem em outras pessoas, e que não façam coisas que sejam mais ou menos parecidas. Mas nunca são iguais. Há sempre alguma coisa diferente. Agora, esse risco existe.

Agora, nós não sabemos como é que isto vai evoluir, e essa é que é a grande questão: daqui a três anos, eu não faço ideia de como é que está um ChatGPT ou como é que estão outras ferramentas que vão surgir. E, não sabendo isto, eu não sei se eles vão fazer um trabalho absolutamente excecional. E não sei se as máquinas vão começar a falar umas com as outras sem nós percebermos o que elas andam a dizer.

Toda a gente tem olhado para a inteligência artificial com algum receio do que possa trazer ao mundo. Mas, para já, acho que isto são ferramentas que vão aumentar muito a nossa produtividade e a rapidez com que fazemos as coisas, mesmo na parte da gestão de processos, não só naquilo que é o output para clientes.

Considera que os fakes e os deep fakes podem ser um risco real em termos da comunicação das empresas?

Considero. Têm vários riscos, riscos reputacionais gravíssimos. As empresas têm de gastar mais dinheiro a fazer sistemas de listing e perceber o que é que se está a passar, quem é que está a falar delas, como é que estão a falar delas.

Temos de ter implementado, e nós já temos isso com muitas empresas, sistemas de monitorização das redes para perceber o que é que se está a passar; quem é que anda a falar sobre as empresas e o que é que anda a ser dito; e sistemas de alerta para, assim que acontecerem essas coisas, as empresas poderem vir imediatamente a público e dizer “não, isso não sou eu” e comprovar que não é.

Esses riscos existem e as empresas têm de se precaver contra eles porque isto pode, efetivamente, afetar muito a sua reputação. E têm de ser rápidas, muito rápidas.

Uma vez acontecendo, como é que se volta atrás?

Nós, como população, temos de estar muito atentos. Nós, agências de comunicação, temos de ajudar os clientes. É um dos riscos que nós vamos ver surgir no ranking dos reputation risks.

A cibersegurança era um risco enorme, continua a ser um risco enorme, que está sempre no top ten dos riscos reputacionais das empresas. Não só os breaches, quando os hackers entram dentro dos sistemas e conseguem divulgar informação, mas quando mandam os sistemas abaixo, como foi o caso da Vodafone, que teve vários dias sem funcionar.

De facto, isso afeta muito a reputação das empresas, afeta a credibilidade. Esse risco dos fakes é real, as empresas vão ter de se precaver contra eles e vão ter de gastar dinheiro a fazer sistemas de monitorização e sistemas de reação imediata.

É mais um serviço em que nós já apostamos e que vamos incrementar. Existem ferramentas no mercado que também nos permitem perceber rapidamente o que é que está a acontecer, mas, lá está, se forem só ferramentas, sem fator humano, os processos de listing são à base de varrer e dar informação, portanto, estamos permanentemente a mandar dados, dados, dados.

Como profissional de comunicação empresarial e gestor, que indicações ou conselhos gostaria de deixar aos nossos leitores para enquadrarem no desenho das suas próprias estratégias?

O primeiro conselho que gostava de deixar aos CEO de outras empresas é: não se escondam. Não andem escondidos porque se têm esta ideia de que o low profile é que é bom, é bom em países obscuros e opacos, diria assim. Em países democráticos não é bom.

Se querem, efetivamente, que a empresa vingue, têm de investir em comunicação, têm de investir na sua própria comunicação, têm de saber como comunicar, como estar em frente aos seus stakeholders e o que dizer, sobretudo, aos seus stakeholders.

Isto já não é uma opção. Um CEO de uma empresa, se for um self-made, isto é, se for um empresário que é CEO, que é o meu caso, faz o que quer e não tem acionistas por cima que lhe digam “olha, devias fazer assim”. Agora, quando tem acionistas por cima já não tem hipótese; ele tem mesmo de fazer valer a sua diferença no mercado. Uma das coisas que eu gostava de lhes dizer é não se escondam; não tenham a ideia de que o low profile é o correto. Também não é correto ser muito high profile.

Eu acho que, na questão da comunicação, eles têm de definir como é que querem ser percecionados pelos seus stakeholders e têm de fazer um conjunto de coisas para que isso aconteça.

Portanto, a empresa tem de tomar iniciativas para que isso aconteça porque a reputação das empresas não é uma coisa que seja delas; é a perceção dos outros em relação a elas. Ou a empresa entra nesse jogo, entra na conversa e domina essa conversa, ou se a empresa não domina, são os outros que fazem a sua própria reputação. Se não é a própria empresa a fazer esse trabalho, a empresa não vai ter grande sucesso.

Nós temos demasiado ruído a acontecer no mercado para que as empresas que não querem ser conhecidas sejam conhecidas. Essa é uma das grandes mensagens.

Depois sejam estratégicos na abordagem, saibam exatamente o que é que têm de fazer. E para serem estratégicos na abordagem têm de contar com as melhores pessoas nessas áreas de inovação, tanto internamente, como externamente.

A comunicação tem de ser uma função estratégica para as empresas. E têm demonstrado, ano após ano, todas as grandes sondagens que se fazem aos CEO que a comunicação estratégica aparece sempre no top five das preocupações dos gestores. E tem vindo a subir a sua relevância, tanto a reputação da empresa, como os departamentos de comunicação.

Têm de ser não só estratégicos, mas também têm de ter boas pessoas internas e externas, como consultores que ajudam a fazer esse trabalho. E porquê? A influência de uma agência como a Lift não tem a ver com “uma linda cara” que nós temos; tem a ver com os cem clientes que nós representamos e, desses cem, com os 20 que são absolutamente essenciais para os media. Portanto, a nossa influência é a soma da influência dos nossos clientes.

Por isso é que nós somos influentes.

E isto não se faz também com a inteligência artificial. São relações humanas. E é cada vez mais relevante eu poder fazer um telefonema enquanto estou a desbloquear uma situação. E isso também não se faz com a inteligência artificial, nem se faz por email, nem por SMS, nem por WhatsApp; faz-se com um telefonema, faz-se com um contrato, com um contacto, faz-se com um encontro, faz-se com uma relação pessoal. E isto é cada vez mais relevante. Reúnam as melhores pessoas internas e as melhores pessoas externas para ajudar.

A comunicação está no top five das preocupações dos gestores. No entanto, têm sido alocados recursos para a comunicação?

Não. Todos os gestores compreendem a importância da reputação, mas não investem o suficiente para saberem a sua própria reputação, nem investem o suficiente para poderem ter mecanismos de alerta e de ação em função dos riscos que estão a ocorrer. Isto não acontece, efetivamente.

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