“A única maneira para podermos avançar e crescer é olhando para as novas tecnologias e para a capacitação digital”

Luís Guerreiro assumiu, em fevereiro de 2023, a presidência do IAPMEI. Em entrevista à IT Insight, fala do caminho da digitalização que as empresas têm de assumir e como está a execução do PRR junto das PME portuguesas

“A única maneira para podermos avançar e crescer é olhando para as novas tecnologias e para a capacitação digital”

Qual a missão do IAPMEI e como é que está a apoiar as PME nacionais?

O IAPMEI, no contexto económico português, tem um papel fundamental e assenta em dois pilares. O primeiro é mais institucional, a ajudar a desenhar e a implementar as medidas públicas e, depois, a monitorizar essas medidas através da nossa tutela – o ministério da Economia. Depois, a segunda vertente é o apoio às empresas, a robustecer o tecido empresarial português, ajudando as empresas na sua capacitação, crescimento e desenvolvimento nas diferentes facetas que a empresa vive. É essa a grande função do IAPMEI: robustecer o tecido empresarial português.

Quais são os principais programas de incentivo geridos pelo IAPMEI e como podem as empresas aceder a eles?

É certo que o IAPMEI está, agora, com uma maior visibilidade por causa dos incentivos, mas não se esgota nos incentivos. Há 48 anos que o IAPMEI luta pelas empresas nessa parte da dinamização. Acontece que agora, com todos os incentivos, o Governo decidiu, através do ministério da Economia, que o IAPMEI seria uma ferramenta fundamental para fazer com que as empresas pudessem aceder a esses apoios e incentivos.

Quando falamos de apoios e incentivos hoje, falamos no PRR. Neste momento, o IAPMEI tem à sua responsabilidade como organismo intermédio três grandes componentes do PRR – de um total de 20 – que é a C5, a C11 e a C16.

A C5 está dividida em duas componentes; uma das agendas mobilizadoras e outra da catalisação das empresas com o Banco Português de Fomento. Essa componente de capitalização das empresas ficou a cargo do Banco Português de Fomento; o IAPMEI ficou com as 53 agendas mobilizadoras. Estamos a falar de investimentos totais à volta de sete mil milhões de euros entre as empresas privadas e os incentivos. Em termos de incentivos para as empresas anda à volta dos 2,8 mil milhões de euros.

Além da componente C5, temos a C11 que é a descarbonização, a transição energética para deixar os combustíveis fósseis e, gradualmente, irmos para indústrias que deixem uma pegada de carbono cada vez menor. A componente C16 é a digitalização. É uma componente muito interessante e específica para a digitalização, mas é importante mencionar que a digitalização não fica confinada à C16. Se olharmos tanto para a componente C5 como para a C11, a digitalização já lá está. Nas 53 agendas mobilizadoras conseguimos juntar um conglomerado à volta das 1.300 entidades – entre empresas, universidades, centros tecnológicos, entidades públicas – das quais cerca de 900 são empresas e onde cerca de 580 são pequenas e médias empresas. Isto tem um impacto enorme. O objetivo dessas agendas é aumentar a especialização das nossas empresas; esse aumento da especialização passa necessariamente pela digitalização.

A mesma coisa se passa na C11: não há um processo de passagem de combustíveis fósseis para combustíveis não-fósseis que não passe pela digitalização, que mais não seja pelo processo de adquirir esses novos tipos de energia, nomeadamente fotovoltaicos, eólicos, entre outros. Depois sim, temos a C16 que é dedicada às empresas e para as apoiar no seu processo de digitalização.

Há uma perceção entre as empresas pequenas de que toda a parte processual é muito complicada e, por vezes, desistem de procurar o IAPMEI. O que tem a dizer sobre isso?

 

“Algumas das empresas que vemos é que a média literacia dos trabalhadores, às vezes, é superior à dos gestores; temos de inverter esse ciclo. Outra característica das nossas PME é que são muito familiares”

Primeiro temos de olhar e caracterizar bem o tecido empresarial português. Segundo os últimos dados da PORDATA [2021], temos cerca de 1,35 milhões de PME. Temos 7.500 médias empresas e 45 mil pequenas empresas; se metermos isto num gráfico, a escala não consegue atingir isto, o eixo tem de ser exponencial para conseguir meter tudo no mesmo gráfico. Temos à volta de 1,3 milhões de microempresas; as microempresas têm menos de dez trabalhadores e um volume de negócio menor que dois milhões de euros. É este o nosso tecido.

O que acontece é que, em empresas muito pequenas, porventura será difícil ter uma estrutura que consiga preparar os projetos porque alguns desses projetos poderão ser bastante complicados. Por outro lado, o IAPMEI tenta ao máximo simplificar todos os processos, mas também estamos agarrados a toda uma condicionante que vem a montante, que é a União e Comissão Europeia, que impõe certas regras, onde os incentivos só são distribuídos se as empresas cumprirem determinados requisitos. Dentro dos constrangimentos que temos, tentamos ao máximo possível facilitar as empresas, mas há coisas que nos é impossível escapar.

Além da granularidade que temos, é a questão demográfica. A parte mais rica das PME está centrada no litoral e é fácil ver os distritos onde estão localizadas: Lisboa, Porto, Braga e Aveiro. Vamos para o interior e começamos a ver empresas, mas 80% ou mais das empresas estão nestes quatro distritos. Compreendo que para algumas empresas seja difícil [ter acesso aos incentivos], mas é para isso que o IAPMEI está aqui – para ajudar as empresas – e o IAPMEI é um instituto que está próximo das empresas, espalhado por 12 zonas no país, e temos um número azul – 808 201 201 – para ajudar o mais possível as empresas.

Qual é que tem sido o impacto destes programas no tecido empresarial nacional?

O impacto tem sido grande e não estou só a olhar para os incentivos, mas para tudo o que o IAPMEI tem feito para ajudar a capacitar as empresas e a promover o seu desenvolvimento. Independentemente dos incentivos e de tudo o que roda à volta deles, dos grandes investimentos dos muitos mil milhões que estamos a investir, há uma série de programas que o IAPMEI faz para a capacitação das empresas, não só dos trabalhadores, mas também dos gestores que é fundamental nesta fase.

Algumas das empresas que vemos é que a média literacia dos trabalhadores, às vezes, é superior à dos gestores; temos de inverter esse ciclo. Outra característica das nossas PME é que são muito familiares, empresas que já vêm do avô, para o pai e depois para o filho. Mas aí há um fator positivo: de geração para geração, quando não há distribuição de valor, a passagem fica melhor porque os filhos já estão mais capacitados do que os pais.

Isso é uma grande preocupação, essa passagem geracional dos fundadores para a nova geração. O que noto nas visitas e contactos que tenho feito é que já há uma maior capacitação dos novos gestores e isso nota-se no novo impulso que dão às empresas.

Como colabora o IAPMEI com outras entidades governamentais e privadas para apoiar o tecido empresarial nacional?

“O aumento da competitividade das empresas vai passar, necessariamente, pelo digital. A competição pelos salários baixos acabou”

 

Trabalhamos com toda a gente. Desde a pandemia e de há uns anos para cá, o modo de trabalho colaborativo é o modo de trabalhar do futuro. Nas agendas mobilizadoras, só havia os consórcios, só podiam concorrer se fosse conjuntamente, ou seja, não podia haver apenas empresas ou instituições universitárias ou científicas; tinham de fazer um trabalho colaborativo. No IAPMEI é exatamente o mesmo e já há muito tempo que faz esse trabalho colaborativo com todas as universidades, através de protocolos para termos estagiários, temos prémios que distribuímos nas universidades para os melhores alunos, colaboramos com todas as entidades públicas – nomeadamente a DGAE, com a AICEP, o Turismo de Portugal, a AMA, o ISQ – em programas conjuntos porque temos de trabalhar em modo colaborativo e só assim conseguimos avançar.

Os empresários procuram ter o reconhecimento de PME Líder?

A PME Líder, para mim, é uma ferramenta fundamental na maneira como o IAPMEI atua dentro do tecido empresarial por duas razões fundamentais. A primeira é que, neste momento, a PME Líder tornou-se quase numa marca, num certificado de qualidade para as empresas, onde estamos a distinguir uma gestão cuidada e que está focada não só na capacitação dos trabalhadores e no aumento da mais-valia da empresa, como também – e vai ser o futuro – na sustentabilidade.

Por outro lado, é uma ferramenta fundamental em tempos de incerteza como estamos a viver. As empresas que têm o selo de PME Líder têm acesso a financiamento nos bancos muito mais facilitado, com taxas de juro máximas normalmente abaixo das taxas de juro habituais.

Até há bem pouco tempo, quando os juros eram praticamente dados e em que a inflação era praticamente nula, esta segunda componente não era tão valiosa; ela é valiosa nestes momentos que estamos a viver em que já não estávamos habituados a ter este tipo de inflação. O que nos aconteceu aqui é que num curto espaço de tempo a inflação disparou, onde as famílias passaram a pagar o dobro de renda de casa com juros; isso implica as PME porque lhes é muito mais difícil aceder a financiarem-se, também porque – com estes momentos de incerteza – os bancos são muito mais criteriosos a disponibilizar os financiamentos. Uma empresa que tenha a estampagem de ser PME Líder consegue, aqui, um acesso mais facilitado a esse financiamento.

 

Luís Guerreiro, presidente do IAPMEI, em entrevista à IT Insight

 

Como é que o IAPMEI vê o estado da Transformação Digital no tecido empresarial português, em especial as PME?

A transformação digital é o futuro. O aumento da competitividade das empresas vai passar, necessariamente, pelo digital. A competição pelos salários baixos acabou. Assim, só podemos ir pela criatividade e competitividade. A única maneira para podermos avançar e crescer é olhando para as novas tecnologias, para essa capacitação digital que temos de continuar a aumentar. Em 2019, segundo o ranking do DESI, estávamos no 19.º lugar; em 2022, estamos em 15.º. Estamos a fazer um percurso e a ir bem, mas não é suficiente e temos de ir mais à frente. A digitalização é uma jornada e não é um fim; não digitalizamos por digitalizar. Tem de ser um processo que obriga as empresas a pensar e a repensar os seus processos internos. Estarmos a digitalizar algo que está completamente enviesado está completamente errado; sai do papel errado e metemos no computador, que muitas vezes até complica em vez de descomplicar.

É uma oportunidade para as empresas de repensarem e fazerem o reengineering, olhar para os processos, ver onde podem otimizar e, só depois, digitalizar esse processo. É uma oportunidade que as empresas têm e que tem de ser o futuro.

O objetivo das PME não é continuarem pequenas; é as micro passarem a pequenas, as pequenas passarem a médias. Isso passa necessariamente pela internacionalização. Quando isso acontece, o mercado deixa de ser esta região e passa a ser o mercado global. Por exemplo, os têxteis vão competir com uma Turquia que tem salários muito mais baratos, não têm o problema da moeda – como temos o Euro, não temos mecanismos de controlo. É esse o tipo de países com que temos de competir; como: através de inovação com a capacitação e qualidade dos produtos. Isso passa necessariamente pela digitalização.

Relativamente ao PRR e a sua componente 16 que reúne a Capacitação e Transformação e Catalisação Digital, como tem sido a adesão das empresas e que mecanismos ainda estão disponíveis?

 

“Estamos com 77,7% de percentagem de execução [do PRR]. (...) Estamos no topo da execução e o IAPMEI é o que tem mais projetos e com mais nível de execução e de fecho”

Na componente de digitalização temos dois grandes programas. Um são os test beds, outro os DIH – Digital Innovation Hub, ou Polo de Inovação Digital. Não quero desligar isto de tudo o resto porque isto tudo faz um puzzle, está integrado. Depois também temos as ZLT [Zonas Livres Tecnológicas] e as agendas. Temos quatro peças que se encaixam na perfeição para atingirmos aquilo que nós queremos que é chegar ao tecido empresarial e ajudá-los nesta capacitação, neste crescimento, nesta digitalização.

O que é que são os test beds: temos uma empresa – que normalmente é uma grande empresa ou uma média empresa, mas bem alavancada a nível económico e estrutural – que pode permitir a outras empresas virem e disponibilizar os seus serviços para ajudar a acelerar a inovação, acelerar os testes e acelerar esses protótipos. No fundo, são empresas que vão testar os pilotos dessas outras empresas – normalmente startups ou pequenas empresas – que estão no seu desenvolvimento e estão na fase entre o TRL [Technology Readiness Level] 5 e TRL 7 que é chamado de ‘vale da morte’; no TRL 5 já há um certo desenvolvimento teórico, mas até ao TRL 7 é um caminho difícil. Depois, no TRL 9, já temos outros componentes. É aí que os test beds vão ajudar. Tivemos 33 candidaturas e estão alocados cerca de 140 milhões de euros para fazer estes test beds.

Por outro lado, temos os DIH. Também tem uma componente de testes, mas também vai agregar a parte da capacitação – vão fornecer capacitação a essas empresas se elas assim o quiserem –, vai ter também uma componente de financiamento através de uma plataforma onde se coloca o que se quer financiar e o financiamento necessário, e depois, por outro lado, vai ter uma componente de incubadora e aceleradora das empresas. Os test beds são mais focados no desenvolvimento de protótipos. Os DIH têm a parte de desenvolvimento e, digamos, é mais arrastar as empresas para lhes dar a capacitação digital de uma forma geral.

Da C16, estas são as duas grandes componentes em que o IAPMEI está envolvido e está a apoiar. Mas, como dizia, isto não se desliga, por exemplo, das ZLT. As ZLT existem para, quando os protótipos chegam possam ser testados num ambiente seguro. Por exemplo, a condução autónoma: se quiser testar um carro, não pode ir para o meio de Lisboa testá-lo. Estas zonas são criadas exatamente para se testarem protótipos num espaço confinado e seguro.

Há uma ZLT localizada no Estuário do Sado, na península de Troia. O promotor é a Marinha, mas as empresas podem contactar essa ZLT para ir lá testar. Há duas que estão quase licenciadas: uma em Viana de Castelo dedicada a offshore para fazer testes de wind offshore e em energias das ondas nas quais as empresas se podem candidatar para fazer os seus testes; também já está ligado um cabo submarino para que a energia que possa ser produzida possa ser levada para o onshore. Vai haver uma outra ZLT em Aveiro. No total houve 11 candidaturas; uma já está, duas em via e as outras estão a ser analisadas. Naturalmente que é um processo que demora tempo porque temos de envolver as entidades licenciadoras e é algo que demora tempo.

Por fim, as agendas. São 53 agendas e se formos olhar para os work program que lá estão, tudo passa por digitalização. Das 980 empresas, mais de 500 são PME. O restante são grandes empresas que vão ter um poder de arrastamento enorme com as PME. Temos uma agenda sobre o turismo que passa por digitalizar o percurso do turista em Portugal desde o momento em que está em casa a fazer a reserva até ao momento em que chega a casa depois de fazer a sua viagem.

Face a um cronograma expectável, como é que as coisas estão a correr face ao que era esperado?

Posso dizer que o IAPMEI, de todos os organismos intermédios do Governo que tem componentes do PRR, é aquele que melhor executa. Estamos com 77,7% de percentagem de execução. Somos seguidos, depois, pelo Turismo de Portugal com 70%. Estamos no topo da execução e o IAPMEI é o que tem mais projetos e com mais nível de execução e de fecho.

Creio que estamos bem, mas se me pergunta se as coisas estão a ir como queremos, a resposta é não. Há sempre lugar para melhoria e é isso que estamos a tentar fazer: melhorar aquilo que consideramos ter espaço para melhorar. Havendo essa melhoria, vamos acelerar todo este processo.

Neste momento, o IAPMEI está com vários programas ao mesmo tempo; estamos a fechar o PT2020, já estamos a trabalhar o PT2030, temos as agendas que tem um trabalho enorme até porque é a primeira vez que se faz algo do género em Portugal e algumas têm 120 copromotores. Os nossos técnicos são excecionais e só assim é que conseguimos ter este nível de performance, apesar do volume de trabalho que temos.

Depois, ainda temos a componente da descarbonização. Tivemos 1.400 candidaturas. Foram dois avisos, o A e o B, e o aviso A já está quase tudo pago; as B são muito mais complicadas e têm outros requisitos e que estão a ser analisadas, mas estamos a ir a um bom ritmo.

Além disso, fora destes âmbitos, ainda temos outros programas como o Apoiar Gás que ainda está ativo e o Transformar Comércio que acabámos de pagar perto de 200 candidaturas. A nível de performance, o IAPMEI está na charneira, mas estamos aqui para melhorar.

Que conselhos daria a uma pequena ou média empresa que procura crescer e expandir o seu negócio, nomeadamente pensando na digitalização e internacionalização?

A primeira coisa que a empresa tem de olhar é ter uma visão; isso é fundamental. A empresa tem de saber e se focar e dizer ‘quero daqui a cinco, dez, quinze anos estar ali’ e é essa luz que deverá sempre seguir. Depois de ter essa visão, é uma questão de delinear a estratégia e os objetivos e, depois, decompô-los para saber o que precisa de fazer para chegar a esses objetivos.

É aí que entra o IAPMEI que pode ajudar as empresas. A partir do momento em que sabem aquilo que querem, podemos ajudar a definir a estratégia. Temos o programa Shift2Future em conjunto com a Universidade do Minho, a Universidade de Aveiro, o CTCV e o ISQ onde fazemos um diagnóstico do grau de digitalização da empresa e propomos metodologias para atingirem e fazerem o seu percurso de digitalização.

As empresas, nesta altura em que a incerteza e a volatilidade são muito grandes, têm de ter isso em linha; não colocar os ovos todos no mesmo cesto, ou seja, não se agarrarem apenas a um fornecedor ou cliente e diversificá-los. Isso passa por boas práticas de gestão. 

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