O Papel dos SIG no Planeamento Urbano: a diferença entre cidades ineficientes e cidades inteligentes

O Papel dos SIG no Planeamento Urbano: a diferença entre cidades ineficientes e cidades inteligentes

O que é uma cidade inteligente? Esta é a pergunta que muitos fazem e procuram responder, propondo visões mais ou menos tecnológicas, mais ou menos sociais, mas todas elas centradas na melhoria da qualidade de vida

O engraçado deste conceito é que poucas vezes nos perguntamos o que é o contrário, ou seja, o que é uma cidade ineficiente. Talvez encontrar respostas a esta pergunta facilitasse responder à primeira e encontrar um caminho a fazer.

Algo ineficiente é, na sua raiz etimológica, aquilo que não cumpre o que deveria fazer. Se eficiência é a capacidade de transformar intenção em realidade, a palavra ineficiente remete para uma ideia de efeito falhado. É um hiato, é um fosso entre aquilo que deveria acontecer e aquilo que realmente acontece. Consome demasiado para produzir pouco; perde energia nos pontos errados; tem ruído nos processos; não otimiza o caminho entre estado inicial e estado final. E mesmo alcançando um estado final melhor que o inicial, foi criado com entropias e desperdícios.

Uma cidade ineficiente é um organismo urbano que não cumpre o que promete à vida humana: gasta mais do que devia, produz menos do que podia e oferece menos qualidade de vida do que prometeu. Do ponto de vista sistémico uma cidade tem um metabolismo onde deveriam entrar energia, recursos, informação e deveria produzir bem-estar, oportunidades, cultura, mobilidade, conforto e segurança.

O Planeamento Urbano vive uma tensão estrutural entre aquilo que deveria ser e aquilo que pratica. Tem sido um exercício burocrático, fragmentado e permanentemente atrasado face à velocidade das transformações económicas e sociais. As pessoas pedem e as cidades simplesmente não conseguem dar. A prática do urbanismo, mais do que o exercício de compreender o território, imaginar e projetar possibilidades, tornou-se sobretudo o ato de cumprir a lei e aplicá-la ao território. E o que temos? Cidades dispersas sem necessidade, zonamentos rígidos, dependência do carro, trânsito, burocracia, serviços municipais que não comunicam, poucos serviços de proximidade, espaços públicos que não geram convivência.

Reconhecer estes problemas é um ato de lucidez para priorizar investimentos, corrigir processos, justificar opções, medir impactos e monitorizar políticas públicas. Sendo os municípios os principais gestores e dinamizadores do território que administram, deveria ser este reconhecimento o ponto de partida para deixarem de ser ineficientes.

Neste aspeto, os Sistemas de Informação Geográfica (SIG), de uma forma generalizada, têm sido o principal instrumento técnico para fazer estes diagnósticos, porque nenhuma outra ferramenta consegue representar, analisar e explicar a realidade territorial com a mesma profundidade e rigor. Nenhuma outra ferramenta substitui esta capacidade de poder ter uma visão integrada do território, porque no fim, também ele é um sistema com padrões, relações causa-efeito, correlações invisíveis e redundâncias.

É a geografia que dá uma terceira dimensão à gestão urbana: a espacialidade das coisas. É por aqui que muitas vezes existem indefinições, porque o espaço desmonta todas as simplificações da ação de gerir. Pensar o território obriga a gerir não apenas recursos e tempo, mas relações, contextos, fricções e desigualdades.

Fechado este ponto, respondemos à questão que nos move: o que é verdadeiramente uma cidade inteligente?

Não é uma cidade cheia de gadgets tecnológicos, dashboards brilhantes com pontos no mapa. É, antes de tudo, uma cidade que sabe pensar-se a si própria, é um Sistema de Sistemas. É aqui que reside a pertinência de conhecer as ineficiências, porque com os crescentes desafios urbanos a proposta de “Cidade Inteligente” é aquela que capacita as cidades, através de ferramentas tecnológicas, a criar as condições para mitigar ou resolver esses desafios de forma mais rápida e eficiente.

O segredo está em conseguir-se, através das ferramentas certas, transformar dados em inteligência numa lógica de ecossistema. Permitir que utilizadores recolham, organizem, analisem e transformem dados em informação, pois é assim, com este conhecimento, que podem modelar a cidade que querem, medir os impactos das suas ideias e ajustá-las à forma que melhor se ajusta às suas condições.

É por isto que vai ser mais comum ver muitos municípios a seguir as pisadas de outros, com soluções inteligentes que os permitam, por exemplo, utilizar imagem para quantificar o potencial de adaptação de edifícios com painéis solares, adaptar coberturas convencionais por verdes; reforçar a mancha verde urbana com as espécies mais apropriadas nos locais urbanos mais críticos e vulneráveis; quantificar o potencial de extração de biomassa florestal para alimentar caldeiras municipais; identificar a degradação precoce da rede viária e sinalética; identificar hotspots de acumulação de resíduos; ao utilizar 3D e BIM para compreender como o ar circula, onde fica preso, onde se formam ilhas de calor; simular o envelhecimento e degradação progressiva de coberturas, fachadas e materiais; calcular sombras através de volumetrias e entender que o conforto térmico; ao integrar dados de outros sistemas que o SIG potencie; com isto tudo e mais podemos ter uma representação digital da realidade, um Gémeo Digital, que irá certamente mudar por completo o Planeamento e a Gestão Urbana.

Como escreveu Italo Calvino em As Cidades Invisíveis, Kublai Khan tinha um império tão grande que não lhe cabia na cabeça e por isso ficava fascinado com as histórias de Marco Polo. Quero que isto seja uma provocação para conhecerem as vossas cidades, para que as possam imaginar e torná-las inteligentes. 

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