“Do ponto de vista tecnológico encontramo-nos na mesma situação de há um ano, mas com a generalização do trabalho remoto”

Em entrevista à IT Insight, Iván Rejon, Head of Strategy, Marketing & Communications da Ericsson Iberia explica o que é o conceito de 'Internet dos Sentidos' e como é que pode alterar por completo o local de trabalho do futuro que, diz, “será onde nós quisermos, como nós quisermos”

“Do ponto de vista tecnológico encontramo-nos na mesma situação de há um ano, mas com a generalização do trabalho remoto”

O que é a 'Internet dos Sentidos'?

A Internet dos Sentidos não é algo que seja tangível. Mais do que explicar o seu conceito, é importante termos conteúdos exemplificativos, o que facilitará a respetiva compreensão.

Atualmente, a tecnologia interage principalmente com dois sentidos, a visão e a audição. Neste caso, e com base nos avanços tecnológicos explanados em vários estudos da Ericsson sobre as perceções do consumidor, estaremos perante uma Internet dos Sentidos completa até 2025, que incluirá a capacidade de comunicar digitalmente o nosso pensamento, isto até 2030.

Atualmente vivemos num mundo 4G, baseado numa perspetiva em tela, onde os smartphones são parte integrante das nossas vidas. Mas não se espera que seja assim por muito mais tempo. É bem possível que até 2025 usemos algum tipo de óculos inteligentes. Ou então tenhamos ao nosso dispor dispositivos que podem traduzir idiomas instantaneamente, que controlam a nossa paisagem sonora, e com isso sintamos cheiro, sabor, texturas e temperatura digitalmente. Ou seja, é isto a Internet dos sentidos.

Indo um passo além, muitos dos participantes nos nossos estudos estimam que na próxima década as realidades física e virtual possam interagir. Na verdade, muitos imaginam que a diferença entre a realidade física e digital terá desaparecido quase completamente.

Ou seja, é bem possível que organizemos um jantar, com os nossos amigos em formato holograma, distribuídos pelas cadeiras da mesa da sala, enquanto escolhemos os ingredientes de uma loja digital, os quais permitem que se sinta a sua frescura e teste o sabor de um novo molho de iogurte, antes de fazer o pedido. Entretanto, o ambiente da sala começa a mudar, com as paredes brancas a assumirem padrões brilhantes e a mesa, até há pouco sem qualquer decoração, coberta com um pano de algodão, flores, velas acesas e pratos exóticos, os quais é possível tocar e reorganizar.

Com a pandemia, assistiu-se a uma transformação forçada do posto de trabalho. Em que ponto é que estamos e para que ponto caminhamos?

Na verdade, do ponto de vista tecnológico encontramo-nos na mesma situação de há um ano, mas com a generalização do trabalho remoto, por via da pandemia. O que assistimos nestes meses foi a uma dramática quebra do conceito tradicional de posto de trabalho, substituído por soluções já ao dispor de todos. 

Agora, verifica-se que não são apenas as empresas de TI a desenvolver uma estratégia mais moldável para os seus colaboradores, os quais, desde que tenham um PC e acesso à Internet, podem conectar-se e trabalhar. 

Neste caso, sabemos onde estamos, mas também sabemos que nos dirigimos rumo ao trabalho remoto 2.0, que é a evolução do conceito de deslocalização do espaço de trabalho, rumo a uma desmaterialização, que não é apenas a criação de um escritório em casa, é a capacidade de moldar esse escritório às nossas exigências, tarefas, vontades e necessidades de interação

A desmaterialização do escritório já era um tema falado há algum tempo. Como será o posto de trabalho / escritório do futuro?

Será onde nós quisermos, como nós quisermos. Falamos de uma miríade de possibilidades, o que torna impossível criar um paradigma de escritório ou posto de trabalho do futuro. Dependerá, em larga medida, da forma como cada um de nós se sentir mais à vontade para desempenhar as suas tarefas com maior produtividade.

Esse é o grande desafio e o mais entusiasmante. Vamos deixar de pensar no trabalho como algo estanque, rotineiro, onde nos deslocamos todos os dias de casa para um escritório, ou nos levantamos, abrimos o computador e lemos os e-mails.

A Internet dos Sentidos permitirá a criação de um espaço individual. Como já referi, tal dará origem a uma desmaterialização do local de trabalho, que nos permitirá interagir com colegas, chefias, clientes, parceiros. Tal até parece evidente e trivial, afinal, é o que já fazíamos diariamente com a tecnologia atual, antes da pandemia. Mas a possibilidade de agendarmos reuniões de trabalho com a presença de todos os participantes em holograma, e até podermos beber um café com colegas enquanto trocamos algumas impressões, é extraordinário.

Mais parece estar a falar-lhe do enredo de um filme futurista, que se passa algures no final do século XXI. No entanto, e com a tecnologia 5G, será possível atingir este patamar evolutivo num muito mais curto espaço de tempo. E 2030 não parece assim tão descabido.

Esta desmaterialização vai impactar todas as ocupações ou, por outro lado, há algumas ocupações que dificilmente vão assistir a esta revolução?

Naturalmente, aquelas que não exigem mais do que um dispositivo móvel e acesso a rede de Internet são as que com maior facilidade se adaptarão à desmaterialização do local de trabalho. Mas, atenção, a dinâmica tecnológica é transversal a um vasto número de setores. O 5G tem um potencial de chegar a todos, independentemente das tarefas que realizam. 

Um chefe de cozinha pode escolher os produtos mais frescos e de melhor qualidade a partir da sua casa, inclusivamente, pode gerir a sua equipa sem estar no restaurante. Um jornalista pode participar numa conferência de imprensa, enquanto decorre uma reunião de redação, tudo na sua sala de estar. 

Claro que os trabalhos mais físicos continuarão a ter uma forte componente presencial.

Mas existem sempre aspetos específicos que poderão até significar maior rentabilidade com acesso a tecnologia que desmaterialize o trabalho. Porque não há de uma equipa de engenheiros preparar a vistoria a uma obra a partir de um escritório, por exemplo, e desde logo preparar um plano mais fiável de análise à infraestrutura em causa?

Em suma, são inúmeras as oportunidades e possibilidades que a transformação tecnológica permite, e que nós devemos ousar sonhar, sempre em prol de uma melhor sociedade.

Um dos problemas sentidos pelos colaboradores durante a pandemia foi a falta de interação com colegas. Mesmo com soluções como Zoom, Teams e Webex, estas interações pareciam um pouco mais forçadas. Como é que as interações entre colegas vão evoluir, assumindo que o trabalho remoto irá continuar (mesmo que num modelo híbrido)?

Em fevereiro do ano passado ninguém estava à espera de, um mês mais tarde, se ver obrigado a estar em casa, em confinamento. Ora, as soluções que refere já existiam, mas tinham uma utilização quase marginal. As empresas de TI eram, por norma, as que mais incentivavam à sua utilização, mas nem sequer era algo generalizado dentro destas organizações. 

Ou seja, foi necessário mudar mentalidades num muito curto espaço de tempo. Não somos um animal gregário, gostamos do contacto com o outro, de abraçar, trocar impressões, de partilhar experiências em grupo. Mas também temos uma grande capacidade de adaptação à evolução. Senão, de que forma teria sido possível desenvolver o automóvel, a rádio, a televisão, o computador, o smartphone?

Sabemos que o trabalho remoto veio para ficar, mesmo que no formato híbrido que menciona. As relações entre colegas sofrerão inevitáveis mudanças. Mas a própria evolução tecnológica vai no sentido de mitigar ao máximo um eventual afastamento entre pessoas. Se numa primeira fase não substituirá o contacto in loco, até porque a generalidade dos profissionais está culturalmente moldada para a interação diária e direta, as gerações futuras já não terão um modelo comparativo tão evidente, o que facilitará os novos comportamentos, mais digitais, capazes de usufruir ao máximo da transformação tecnológica a que assistimos.

De que maneira é que as organizações / os decisores olham para este tema?

É natural que estes conceitos sejam difíceis de compreender, mais ainda de implementar. Talvez por isso, ainda não é possível perceber de que forma as próprias organizações se irão adaptar. As estruturas estão definidas para que as equipas se concentrem em escritórios, por exemplo. A cultura organizativa foi definida dessa forma há décadas, pelo que não é fácil mudar estes conceitos e mentalidades num ano.

Ao mesmo tempo, e por outro lado, sentimos da parte dos decisores uma grande curiosidade, interesse em perceber o futuro. Para estes, é fundamental estar a par das inovações tecnológicas e, com isso, antecipar tendências. Verificamos, pois, um misto de curiosidade e prospeção. No fundo, ninguém quer ser apanhado de surpresa e ficar para trás na evolução dos conceitos de trabalho.

Quais são os principais pontos que são tidos em conta quando este tema é abordado e os projetos iniciados dentro de uma organização?

Importa salientar que a Internet dos Sentidos é um conceito que é viável por via da aplicação da tecnologia 5G. Ou seja, ninguém está verdadeiramente a desenvolver qualquer projeto a este nível, enquanto a tecnologia não se disseminar e entrar em velocidade de cruzeiro. Claro que a realidade aumentada permite, desde já, dar uma visão quanto ao papel dos dispositivos e na forma como os nossos sentidos se comportam com os hologramas. Mas é uma interação passiva, não a utopia interativa que em breve passará a ser uma realidade.

O estudo da Ericsson sobre este tema centra-se no futuro, em 2030. Dentro daquilo que já é possível prever, como será, nessa altura, o trabalho e o escritório?

Independentemente da evolução tecnológica, as questões de sustentabilidade e mobilidade asseguram que este será um espaço fortemente marcado pelo digital. A capacidade de estarmos interligados com colegas dos quatros cantos do planeta, sem sairmos de casa ou de um escritório, e sem qualquer delay na conversa, é algo demasiado desafiador para não se generalizar. 

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